Na véspera do encontro do presidente eleito Jair Bolsonaro com os novos governadores para discutir saídas para a crise nos estados, um relatório do Tesouro Nacional mostrou a gravidade do cenário das finanças regionais e a necessidade de uma reforma da Previdência. De acordo com o documento, 14 estados apresentam comprometimento de suas receitas com despesas de pessoal acima de 60%, que é o limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre eles estão Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O campeão é Minas Gerais. Do total de receitas, 79,18% estão comprometidos para pagar salários e aposentadorias dos seus servidores. Ele é seguido por Mato Grosso do Sul (76,77%), Rio Grande do Norte (72,07%), Rio de Janeiro (70,8%) e Rio Grande do Sul (69,14%).
Boa parte desse quadro é resultado do forte crescimento das despesas com servidores inativos. De acordo com o boletim, a maior parte dos governos regionais aumentou de forma expressiva seus gastos com inativos entre 2012 e 2017. Essas despesas avançaram sobre as receitas, que ficaram praticamente estagnadas no período, gerando rombos fiscais crescentes.
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O total de servidores inativos cresceu, em média, 25% no período 2012 a 2017. No entanto, em seis estados, incluindo Bahia, Amazonas e Mato Grosso do Sul, e no Distrito Federal, essa taxa foi ainda maior: 30%. “O exercício de 2017 apresentou crescimento real da despesa bruta com pessoal para a maioria dos entes, impulsionado pela elevação do gasto com inativos. O caráter rígido dessa despesa, somado ao agravamento da situação previdenciária, dificulta a contenção das despesas para aqueles estados que já destinam boa parte de sua arrecadação para o pagamento de salários ou aposentadorias”.
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, já sinalizou que não há espaço para a União “salvar” os estados:
– Aprovamos a lei complementar 156, que alongou a dívida dos estados e deu um período de carência para pagamento, e aprovamos o regime de recuperação fiscal, que são condições especiais àqueles estados que estão numa situação mais crítica. Até o momento, só o Rio de Janeiro aderiu ao regime, e a contrapartida do estado que queira aderir a esse regime é controle de despesa, privatização e redução de benefícios tributários. Não temos nenhuma nova discussão sobre apoio financeiro a estados e municípios.
O boletim do Tesouro também faz um recorte da situação das aposentadorias especiais. Professores e policiais militares, que se aposentam mais cedo, têm um peso elevado na conta de pessoal e ainda geram a necessidade de mais contratações por parte dos governos estaduais, o que aumenta o desequilíbrio fiscal.
Em média, os professores são cerca de 50% dos inativos do Executivo, enquanto os militares compõem aproximadamente 15%. No entanto, em locais como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mais de 80% dos inativos correspondem às carreiras de pensões especiais de professores e militares.
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Inativos impactam folha
O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Gabriel Leal de Barros destaca que a Previdência é o principal problema dos estados e, sem uma reforma, não há como atingir um equilíbrio das contas. Ele lembra que alguns entes federativos também enfrentam problemas como endividamento elevado, o que agrava a crise fiscal.
– O problema da Previdência é disseminado, e os inativos impactam cada vez mais a folha. Até mesmo a Região Norte, que tem população mais jovem e onde a folha de inativos ainda não pesa tanto, vai sentir o impacto mais à frente sem uma reforma – afirma ele.
Leal destaca que não será fácil para o novo governo encontrar uma forma rápida de ajudar os governadores. Segundo ele, qualquer solução passará pela adoção de instrumentos eficientes de controle de despesas e de alterações em algumas vinculações, como a exigência de aplicar um percentual da arrecadação em saúde e educação.
– O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro são os estados com a população mais velha e têm que gastar 25% da receita com educação. Só que esses lugares podem ter uma demanda na direção oposta. Essa regra acaba sendo pró-cíclica e contraproducente – diz o diretor do IFI.
O déficit previdenciário dos estados, de acordo com o documento, é de R$ 93,397 bilhões. Deste total, R$ 70 bilhões se referem ao regime dos servidores civis e R$ 24,35 bilhões, ao dos militares. No Rio, o rombo é de R$ 18,26 bilhões. Ele só fica atrás de São Paulo, onde o déficit é de R$ 19,4 bilhões.
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Em 2017, os estados viram suas despesas crescerem mais que o total da arrecadação, o que fez ampliar ainda mais o rombo fiscal, que atingiu R$ 13,9 bilhões no agregado entre os entes. Em 2016, esse número ficou em R$ 2,8 bilhões.
O principal responsável pelo aumento do buraco fiscal dos estados é o gasto é com pessoal, entre ativos e inativos. “O caráter rígido dessa despesa, somado ao agravamento da situação previdenciária, dificulta a contenção das despesas para aqueles Estados que já destinam boa parte de sua arrecadação para o pagamento de salários ou aposentadorias”, diz o texto.
As despesas com o pagamento dos servidores públicos e aposentados cresceram R$ 25,4 bilhões e chegaram a R$ 402 bilhões em 2017, uma alta de 6,7%. Apenas o custo total dos estados com a Previdência dos seus servidores atingiu R$ 94 bilhões no ano passado. Um salto de 14% no rombo previdenciário.
“Tal crescimento é indício do problema da insustentabilidade dos regimes de previdência estaduais, tendo em vista o consumo cada vez maior de recursos financeiros, que poderiam estar sendo direcionados para atender e ampliar os serviços básicos exigidos pela sociedade”, alerta o Tesouro.
Fonte: “O Globo”