Na ata divulgada esta semana, o Comitê de Política Monetária voltou a enfatizar que futuras decisões sobre a taxa Selic vão depender, entre outros, da evolução do que chamaram de “riscos altistas para a inflação”. A ata cita dois desses riscos, sendo um deles a conjuntura internacional, em especial para as economias emergentes. Transparece da ata uma preocupação de que essa conjuntura possa se tornar mais difícil do que a deste ano.
Relatórios do FMI publicados no mês passado também trazem a visão de piora no quadro externo, em especial para emergentes. No seu World Economic Outlook, o Fundo reduziu em 0,2 ponto percentual (pp) o crescimento projetado do PIB mundial, com um corte de 0,4 pp para os países emergentes. No seu Global Stability Report, a instituição enfatiza o risco para esses países de uma forte saída de capitais, em um contexto de condições financeiras globais mais apertadas.
Os fatores por trás dessa piora do quadro externo são conhecidos há algum tempo. É o caso da gradual redução dos estímulos monetários introduzidos pelos bancos centrais dos países ricos após a crise de 2008-09. Esta semana, por exemplo, o Banco do Japão apontou que não acredita que o país ainda precise dos fortes estímulos monetários dos últimos anos. O Banco Central Europeu (BCE) reduziu mês passado o volume de compras de títulos no mercado e confirmou no final de outubro que vai encerrar o programa de “afrouxamento quantitativo” na virada do ano e que espera começar a subir os juros no último trimestre de 2019.
O BCE vai parar de aumentar liquidez, mas vai deixar no mercado os cerca de US$ 3 trilhões que nele injetou nos últimos anos. O Fed, o banco central americano, por sua vez, já está reduzindo a liquidez, contraindo seu balanço ao ritmo de US$ 50 bilhões mensais, além de vir subindo os juros. Ele sinaliza com mais uma alta de 0,25 pp em dezembro, três altas em 2019 e outra em 2020.
Essa redução de estímulos monetários, ainda que suave, já está afetando a atividade, como no caso dos setores de construção e automóveis nos EUA, mais sensíveis ao custo do crédito. Ainda que a alta anualizada de 3,5% do PIB americano no terceiro trimestre de 2018 ratifique a expectativa de uma expansão de 3% este ano, o ritmo de atividade deve esfriar um pouco ano que vem. Além dos juros mais altos, contribuiriam para isso o impulso fiscal mais fraco e a alta nos custos das empresas, reduzindo a rentabilidade de novos investimentos.
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A economia da China também vem perdendo gás, devido à politica do atual governo de desacelerar a expansão do crédito, em particular fora do sistema bancário. Setores importantes para a economia chinesa, como o de construção imobiliária, continuam indo bem, mas os investimentos em infraestrutura e as vendas de automóveis, por exemplo, já caíram um pouco de ritmo. Somam-se a isso os efeitos das tarifas impostas pelos EUA às importações da China, assim como das restrições ao acesso de empresas chinesas a tecnologias americanas.
O impacto da “guerra comercial” foi pequeno até aqui, mas vai crescer em 2019, em particular se abalar a confiança empresarial. Há a expectativa de que se evite o pior via negociações diretas entre os presidentes dos dois países no encontro do G-20 este mês em Buenos Aires. Porém, essas não vão alterar o posicionamento mais amplo dos EUA, de reduzir o engajamento entre as economias dos dois países, o que eleva a percepção de risco empresarial. Esta semana, por exemplo, o ex-secretário Henry Paulson falou do risco de se criar uma “Cortina de Ferro” entre as duas economias.
O menor crescimento chinês afeta a Europa, pelo canal das exportações. Esta também se ressente das rusgas comerciais com os EUA e, principalmente, dos riscos políticos associados à saída do Reino Unido da União Europeia (UE) e da resistência do novo governo italiano em cumprir as regras fiscais da UE.
Em princípio, portanto, é um cenário de desaceleração, com condições financeiras globais menos frouxas, mas não um quadro que gere grandes preocupações. Estas podem ser reduzidas ainda mais se o petróleo continuar caindo de preço, o que aliviaria a pressão sobre a inflação de emergentes e, nos grandes importadores, como Índia e Turquia, as contas externas.
O risco, porém, é que esse processo saia do controle. Há especial preocupação com as repercussões da guerra comercial entre os EUA e a China e com o ritmo de alta dos juros nos EUA. Neste caso, não só pela atuação do Fed, mas também devido ao crescente déficit público do país, em que pese a economia ir bem. Uma alta mais forte do rendimento dos títulos do Tesouro americano pode gerar uma correção no preço de ações e títulos de dívida corporativa, com repercussões globais.
Em um primeiro instante, uma queda mais forte do crescimento chinês e/ou do preço dos ativos financeiros americanos seria ruim para os emergentes. Mas é possível que, nesse caso, o Fed reaja abrandando a alta dos juros, o que enfraqueceria o dólar, com impactos favoráveis para emergentes. Não seria um cenário de todo ruim para o Brasil.
Fonte: “Valor Econômico”, 09/11/2018