A julgar pelo noticiário das últimas semanas, é difícil acreditar que a Grécia responda por apenas 0,4% do PIB mundial (em PPP — paridade do poder de compra) e seja um centro financeiro sem maior expressão internacional. A realidade, porém, é que o desenlace da crise que tomou conta do país pode definir o rumo da economia mundial nos próximos anos. Contribui para isso os países ricos se encontrarem numa situação difícil, sem ter ainda se recuperado da crise de 2007-2008 e com fundamentos econômicos mais deteriorados, especialmente em relação às contas públicas. Um calote grego pode ser o estopim de uma crise bem mais séria na área do euro, que jogue o mundo outra vez numa forte recessão.
O problema é que, ainda que simples de entender de uma perspectiva técnica, a crise grega é difícil de resolver. Para compreender esse ponto devem-se considerar três dimensões da crise: a dos fundamentos econômicos, a do tempo e a da política. Será da combinação das três que se dará o desenlace dessa crise.
Os fundamentos gregos são muito ruins e até aqui o tamanho do problema tem sido apenas parcialmente reconhecido nos programas de ajuste. Em especial, as respostas adotadas pressupõem que o problema de financiamento da dívida grega é de falta de liquidez, quando na verdade há um problema de insolvência. Assim, a suposição é que os empréstimos do FMI e da União Europeia darão ao país o tempo que ele precisa para ir gradualmente reduzindo sua dívida, por meio de uma melhoria das contas públicas e receitas com a privatização de ativos estatais.
O que se observou, porém, é que, a despeito de a Grécia ter cumprido quase integralmente as metas de ajuste, a dívida pública só fez crescer, beirando atualmente os 160% do PIB. O pacote que o governo espera aprovar no Parlamento esta semana aprofunda o ajuste fiscal e a privatização, mas também este será insuficiente para resolver o problema. A dívida grega é impagável e terá de ser renegociada, a questão é quando e se de forma organizada ou não.
Ocorre, porém, que não apenas o setor público grego, mas o país como um todo se acostumou a viver muito além dos seus meios. É notável, nesse sentido, que em 2010, em que pese a queda de 4,5% do PIB, o deficit em conta-corrente grego foi de 10,4% do PIB. A renegociação da dívida pública não resolverá o problema da falta de competitividade e, na impossibilidade de uma desvalorização cambial, uma solução vai demandar anos de reformas, baixo crescimento e desemprego.
A estratégia adotada até aqui para lidar com a crise grega tem sido empurrar o problema com a barriga. Todos parecem
ganhar com isso. Para a Grécia, que tem um deficit fiscal primário, a alternativa seria um ajuste muito mais forte e potencialmente desestabilizador em termos políticos. Para o resto da Europa, esse tempo tem sido usado para fortalecer os bancos e os demais países com problemas, para limitar o contágio de uma reestruturação da dívida. Para todos, o tempo é politicamente útil, pois ajuda a convencer o eleitorado que não há outra alternativa.
O problema é que o tempo não tem diminuído, mas aumentado o problema. Além disso, para ganhar tempo se tem permitido que o setor privado transfira para o contribuinte uma parte grande da perda que vai ocorrer com a renegociação da dívida grega. O Banco Central Europeu, por exemplo, já tem hoje em dia uma exposição à dívida grega de cerca de 100 bilhões de euros, entre títulos públicos em carteira e garantias em operações compromissadas.
A dimensão política também tem se complicado. Na Grécia, assim como em Portugal e Espanha, há um cansaço crescente com o baixo crescimento, o desemprego elevado e os cortes de rendimentos de aposentados e funcionários públicos. Há a visão de que se estão exigindo sacrifícios demais. Nos países do norte da Europa, como Alemanha, Holanda e Finlândia, por seu lado, há a visão de que o contribuinte local está pagando pelo Estado perdulário dos países periféricos. Nos dois casos, a demora em encontrar uma solução e a recorrência dos pacotes de ajuda e reformas vai ampliar o descontentamento.
Faz sentido renegociar a dívida, para cerca de metade de seu valor, provavelmente, mas dificilmente se fará isso nessa escala, pelo receio de contágio. A tendência é que os credores privados europeus sejam convencidos por seus governos a incorrer em alguma perda, mas que no geral se empurre o problema com a barriga mais um pouco. Não obstante, o ambiente político está ficando mais volátil, o que eleva o risco de um desenlace desorganizado para a crise.
Fonte: Correio Braziliense
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