Aventuro-me a construir três cenários para o segundo mandato da presidente Dilma. O primeiro, otimista, pressupõe uma reviravolta. Implica rever convicções, abandonar a fracassada política econômica, escolher nomes respeitados para a equipe econômica e aprovar reformas. Requer eliminar a contabilidade criativa nas contas públicas e ser transparente nos subsídios. Inclui restaurar a autonomia do Banco Central e o papel do Itamaraty na política externa. Demanda, além disso, nova abertura da economia e outras medidas para aumentar a produtividade. O resultante choque de credibilidade restauraria a confiança na economia. Tudo isso contribuiria, enfim, para a rápida elevação do potencial de crescimento.
O segundo cenário — francamente pessimista — considera manutenção do estilo centralizador, preservação da política econômica e continuidade da excessiva intervenção na economia. Nele, insiste-se nas desonerações tributárias seletivas e nos subsídios em favor de certos setores. A inflação não sai de controle, embora permaneça muito alta. Piora a já delicada situação das contas externas. O Brasil perde a classificação de grau de investimento, tornando mais difícil e mais cara a captação de recursos externos. O potencial de crescimento cai para 2% ao ano ou menos. O desempenho do PIB fica bem abaixo da média anual de 1,6% do primeiro mandato. Pode ocorrer uma crise de confiança.
O terceiro cenário, um meio-termo, inclui o rebaixamento da classificação de risco do país pelas duas agências que ainda não o fizeram. Nas três agências, mantém-se o grau de investimento, mas a apenas um degrau da perda. O país não envereda é economista por caminhos perigosos como os da instabilidade típica da Argentina ou da desesperança presente na Venezuela. Não haverá colapso da economia nem o PT assumirá hegemonia como a do Partido Revolucionário Institucional (PRI) do México, que ficou setenta anos no poder e legou más heranças, das quais esse país tenta há tempos se livrar.
A base desse cenário são instituições fundamentais que podem evitar conseqüências de más escolhas políticas. Trata-se de um conjunto formado por democracia consolidada. Judiciário independente (ao menos na maior parte dos tribunais superiores), sociedade de classe média e intolerante à inflação, mercados financeiros sofisticados e integrados aos fluxos financeiros globalizados e imprensa livre e independente. Esse conjunto emite “alarmes de incêndio” de distintas origens que são disparados pelo trabalho de jornalistas, por uma piora da avaliação de riscos no mercado financeiro e pela mobilização da opinião pública contra a má gestão do governo. A exemplo de países avançados, as instituições brasileiras não garantem a escolha dos melhores líderes, mas limitam a permanência dos maus governos por muito tempo.
Essas instituições podem, todavia desmoronar e assim confirmar o temor de muitos segmentos, qual seja o de entrarmos no desastroso clube dos chamados países bolivarianos. O gatilho seria a aprovação de lei sobre o “controle social da mídia”, um disfarce para a censura com a qual sonham alas radicais do PT. O canal que aciona os “alarmes de incêndio” seria obstruído. Até agora, essa ameaça tem sido bloqueada pela ação da imprensa e de outros formadores de opinião, entre os quais o Congresso. Novas tentativas, ocultas sob o manto de “regulação econômica da mídia”, muito provavelmente disparariam reações, inclusive movimentos de rua, que impediriam a aprovação da medida. É baixo, pois, o risco de entrarmos no clube.
Muitos dos que não votaram na candidata Dilma podem ter a esperança de que a renovação do seu mandato seja estímulo para que ela também se renove. Que se revele uma líder com humildade para reconhecer erros e coragem para rejeitar as ideias econômicas equivocadas dela e de seus companheiros. Que mostre habilidade para usar os recursos políticos de que dispõe em prol de um círculo virtuoso de reformas, e de ganhos de produtividade e crescimento. O PIB alcançaria patamares mais elevados de expansão. Os níveis de bem-estar aumentariam, em favor de todos, particularmente dos menos favorecidos. Oremos.
Fonte: Veja, 10/11/2014.
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