É pouco realista esperar mudanças significativas em indicadores anuais de um sistema educacional. O Censo Escolar de 2016, apresentado em fevereiro pelo Inep/MEC, tratou essencialmente de quantificar dados referentes a insumos, processos e alguns resultados, como as taxas de promoção e evasão de alunos. O que mais chamou atenção foi a linguagem usada.
De acordo com o MEC, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público determinam que o Censo Escolar seja publicado junto com o balanço do resultado das metas do PNE — o Plano Nacional de Educação. Ao se comparar a evolução dos dados do Censo com as metas do PNE, os indicadores aparecem abissalmente abaixo do planejado. Mas se abstrairmos as metas do PNE, os indicadores nada têm de surpreendentes. O que cabe questionar, portanto, é a régua de comparação.
Cabe fazer três indagações. O PNE é exequível? Se o for, isso resultaria em avanços na educação? Se inexequível e não contribuir para avanços, por que mantê-lo como base para apreciar a evolução dos indicadores educacionais?
Há razões objetivas para se questionar a viabilidade econômica do PNE. A primeira é a meta de destinar 10% do PIB ao setor. A segunda são as evidências apresentadas por recente estudo do IDados, segundo o qual, se implementado, custaria entre 13% e 16% do PIB. A terceira é a crise que o Brasil atravessa. A conta não fecha. Quanto à qualidade, vários especialistas já se manifestaram sobre o fato de o PNE não implicar necessariamente melhoria da educação. Exceto, claro, no que se refere à meta de universalização do acesso.
Comecemos pelo que é exequível, manter as crianças de 4 a 17 anos na escola. Os dados do Censo mostram que há escolas e vagas para todos. As vagas que faltam para universalizar a pré-escola existem, ocorre que são ocupadas pelo exército de repetentes das séries iniciais. E as vagas para os jovens com mais de 15 anos estão lá, mas muitos estão fora, porque a escola não os ajudou e não lhes interessa mais. As políticas para assegurar vagas não dependem de recursos financeiros. Nem carecem de planos.
Vejamos o EJA, a educação de jovens e adultos. Se depender do PNE, no espaço de 10 anos teríamos mais da metade da população brasileira de volta à escola para concluir o EJA no nível fundamental e médio. Mas os dados do Censo mostram que a demanda por esse tipo de curso está em queda, talvez refletindo o pragmatismo das pessoas em relação às chances de melhoria de vida. A taxa de conclusão de cursos de EJA é baixíssima. Certamente há políticas importantes para as pessoas de baixa escolaridade, especialmente na área de formação profissional, mas pragmaticamente é irrealista trabalhar para que todos os brasileiros com mais de 25 anos completem o fundamental e o médio.
Analisemos o caso do tempo integral. O Censo mostra que, entre 2016 e 2015, houve queda de mais de 40% na oferta do tempo integral no ensino fundamental. Se examinarmos os dados com atenção, veremos que houve inchaço de matrículas de “tempo integral” nos anos de 2014 e 2015 — e que se explica pela gastança, no caso com o “Mais educação”, que marcou os últimos anos do governo anterior. Acabada a festa a oferta voltou ao que era antes. Mas resta a questão: tempo integral melhora a aprendizagem?
As evidências disponíveis mostram que ganhos significativos de aprendizagem decorrentes de um aumento de horas-aula só se verificam nas escolas que ainda não atingiram cerca de 300 minutos por dia — além disso não há ganhos. Esse dado sugere que as escolas de tempo integral existentes não conseguiram as condições necessárias e suficientes para dar um salto de qualidade. O modelo vigente não é bom. Nos países desenvolvidos, o total de horas/aula raramente ultrapassa as 800 horas anuais prescritas no Brasil. Este é apenas um dos vários exemplos de metas do PNE que, se cumpridas, acarretarão mais custos, mas dificilmente contribuirão para avanços. O exame das demais metas do PNE levará a idênticas conclusões.
Se o PNE não é viável economicamente e se não contribui para melhorar a qualidade da educação, por que mantê-lo? Essa questão importa.
O PNE é uma exigência do artigo 214 da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases, que prevê inclusive a articulação da União com estados e municípios para sua elaboração. O tema polariza enormes tensões e, talvez para a maioria das pessoas que militam na área, representa uma conquista. O fato é que nenhum dos planos anteriores funcionou. Com o atual, é mais grave, pois, além de ser possivelmente inócuo, se implementado, vem forçando estados e municípios a gastarem o que não têm, devido à pressão de grupos de interesse e do Ministério Público. O cotejo dos dados do Censo com as metas do PNE mostra o descompasso que há entre a realidade e o sonho. O PNE é fruto de uma ideia sobre como planejar e melhorar a educação. Essa ideia, como de resto as políticas de educação das últimas décadas, não têm feito a educação avançar em qualidade.
Nada como uma boa crise para repensar a educação. Mas há pouca chance de que a iniciativa parta do MEC, que atua nos estreitos limites da Realpolitik. Ao que tudo indica, os novos prefeitos não se deram conta das armadilhas em que estão para cair. Já os responsáveis pela economia e os empresários, especialmente os que apoiaram os movimentos que levaram à aprovação do PNE, poderiam dar excepcional contribuição ao Brasil ao conciliar os dados do Censo com um mínimo de senso para iniciar um debate profícuo sobre como criar instituições e desenvolver políticas que coloquem a educação a serviço do desenvolvimento, da produtividade e, sobretudo, dos que mais dela precisam.
Fonte: “Valor econômico”, 23 de março de 2017.
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