Além de terem o nome ligado a centros sociais, prática proibida pela Justiça Eleitoral, parlamentares do Rio de Janeiro encontraram uma forma de beneficiar os centros uns dos outros. Levantamento feito pelo GLOBO em leis apresentadas por políticos elencados pela Procuradoria Regional Eleitoral do Rio como relacionados a centros sociais mostra que há corporativismo na hora de oferecer assistencialismo. Muitos deles foram autores de leis que concederam títulos de utilidade pública a espaços ligados a colegas, que, por sua vez, devolveram o favor. O título de utilidade pública — que pode ser concedido em nível municipal, estadual ou federal, geralmente por indicação do Legislativo — é um dos requisitos para que as entidades tenham acesso a auxílios ou facilidades como a celebração de convênios ou a obtenção de isenção tributária.
Um dos casos detectados envolve os deputados estaduais Domingos Brazão e Dica, ambos do PMDB e candidatos à reeleição em outubro. Em 2001, pela lei estadual 3.644, Brazão concedeu título de utilidade pública à Associação Beneficente Adilson Moreira Theodoro (Asbamt), em Duque de Caxias. Até 2010, a Asbamt funcionava também em São João de Meriti. Atualmente, no mesmo endereço funciona a Associação Beneficente Amigos da Saúde, que, segundo moradores, ainda seria ligado a Dica. Segundo a assessoria do deputado, no entanto, ele teria se desligado da entidade.
Em 2003, Dica devolveu o favor a Brazão. Concedeu título de utilidade pública à Fundação Serviço Assistencial Médica e Social Domingos Brazão, pela lei estadual 4.213 daquele ano. Em 2010, fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio fecharam o Centro Gente Solidária, na Zona Oeste, ligado a Domingos Brazão. Lá recolheram cestas básicas, material hospitalar, escovas de dentes e camisetas com o nome “Brazão”, além de receituários.
Dica concedeu ainda título, pela lei 3.580/2001, a outro centro: o Grupo Comunitário Equipe Jorge Pereira, que leva o nome do marido da deputada estadual Graça Pereira (PRTB). Em 2010, a Justiça apreendeu no local, na Ilha do Governador, formulários com dados de títulos de eleitor, recibos de encaminhamento a hospitais públicos e medicamentos. Hoje, o local está fechado.
Numa única lei, títulos a 800 entidades
Apontada por moradores como ligada a centros sociais na Zona Oeste — informação negada por seu filho Thiago Barros —, Lucinha (PSDB), deputada estadual candidata à reeleição, concedeu como vereadora, em 2004, pela lei municipal 3.767, título de utilidade pública ao Centro Social Sebastião Ferraz. O centro funcionava em endereço na Rua Adolfo Bergamini, no Engenho de Dentro, onde hoje fica a PopClínica. Vereador pelo PMDB, Ferraz é pai de André Ferraz (PSL), ex-administrador regional do Méier e candidato a deputado estadual. Na declaração de bens de pai e filho à Justiça, consta a posse de cotas de capital da PopClínica. Enquanto O GLOBO esteve lá semana passada, um carro de som com adesivos de André parou em frente à clínica. Outro, com adesivo de André, circulava pela região, tocando jingle do candidato — que, em seu site, diz que ele e o pai “estão há 12 anos desenvolvendo trabalhos filantrópicos através da PopClínica”. Segundo o gabinete do vereador, ele não tem mais centro social, pois a clínica não teria serviços gratuitos. No telefone do local, informa-se que que uma sessão de fisioterapia custa R$ 15.
Em 2011, a lei municipal 5.242, de Chiquinho Brazão, Rosa Fernandes, Clarissa Garotinho, Paulo Messina e Leonel Brizola Neto, concedeu título de utilidade pública, “por consolidação”, a mais de 800 entidades — entre elas a Associação de Defesa da Cidadania Ação Social Domingos Brazão, que leva o nome do irmão de Chiquinho; o Grupo Comunitário Equipe Pedregal, que, segundo o MPE, seria ligado a Antonio Pedregal, candidato a deputado federal pelo PHS; e o Instituto Luiz Fernando Petra, em Santa Cruz, que seria mantido pelo deputado estadual e ex-jogador Bebeto (Solidariedade), candidato à reeleição, e que foi fechado na semana passada pelo TRE, que constatou que o local, com panfletos, fichas cadastrais e cópias de títulos de eleitor, oferecia serviços gratuitos de odontologia e reabilitação.
Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura do Rio, uma entidade com título municipal de utilidade pública “pode ter acesso a convênios e projetos sociais da prefeitura” após análise de documentação da entidade. Já de acordo com a Secretaria estadual de Assistência Social, entidades com título estadual têm isenção tributária; segundo a assessoria da Comissão de Constituição e Justiça da Alerj, o título estadual seria um dos requisitos para se obter o título federal; este, por sua vez, é uma das condições para isenção do INSS.
TRE e MPE começaram na última semana ofensiva a centros sociais de políticos. Mas a prática persiste. Semana passada, O GLOBO esteve em local em São Gonçalo apontado por moradores como o “centro do Altineu”: seria ligado ao deputado estadual Altineu Côrtes (PR), candidato a deputado federal. Atendentes do local disseram que a casa passaria a oferecer, na semana seguinte, encaminhamento gratuito “a médicos e cirurgia” e que “o que tiver ao alcance pra ele (Altineu) fazer pra população, com certeza ele vai fazer”. O gabinete de Altineu disse que ele não tem centros sociais atualmente.
Fonte: O Globo.
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