Editorial de O Estado de S. Paulo de 28/01 comenta a decisão do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de tirar do ar as emissoras que não transmitiram o seu discurso como forma de punição.
As ditaduras não costumam consolidar-se desrespeitando as leis, as liberdades, as garantias e os valores das pessoas em apenas um campo. Mas no conjunto da quebra de direitos, traçada por esses regimes, a intolerância à livre expressão é sempre uma prioridade. Por isso não surpreende, na Venezuela de Hugo Chávez, a retirada do ar ? junto com mais cinco emissoras a cabo ? da popular RCTV, por não transmitir em cadeia um discurso do caudilho.
Em 16 de julho de 2007 o caudilho venezuelano já retirara o sinal aberto da RCTV, que nunca se enquadrou nos padrões de comunicação exigidos pelo autoritarismo bolivariano. Atualmente, a RCTV só transmite sinal a cabo. Também não se enquadraram as 34 emissoras de rádio retiradas do ar pelo esbirro de Chávez, o tenente Diosdado Cabello, diretor da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), com base em leis aprovadas sob medida pela Assembleia Nacional, totalmente dominada pelo chavismo. A Conatel também aplicara multa equivalente a US$ 2 milhões à Globovisión por ter difundido a notícia de um tremor de terra em Caracas.
O autoritarismo bolivariano nada tem de original. O truculento cerceamento da liberdade e da independência dos veículos de comunicação é um dos instrumentos que os governos ditatoriais usam para sufocar a reação popular a outras truculências. No dia 8, Chávez alterou a cotação da moeda venezuelana e criou um câmbio duplo ? isso num país que importa 80% do que consome. O governo combate a escassez e a carestia, expropriando supermercados, como fez com o do grupo francês Exito. Mas o governo Chávez dá sinais de cisão, como indicam as renúncias do vice-presidente e ministro da Defesa, Ramón Garrizalez; de sua mulher, ministra do Meio Ambiente; do ministro da Ciência e Tecnologia, Jesse Chacon; do ministro da Energia Elétrica, Angelo Rodrigues; e do presidente do Banco Central, Vasquez Orellana.
É evidente que Chávez aumentou a violência contra a liberdade de imprensa na inútil tentativa de ocultar a situação cada vez mais deteriorada da economia e da administração pública bolivarianas. Só que não há como esconder do público a carestia, a escassez de produtos essenciais e os apagões frequentes. Apesar de ameaçada de ser fechada pelo governo, a emissora Globovisión ainda ecoa os protestos e manifestações populares contra a arbitrariedade do regime. Foi essa emissora, por exemplo, que divulgou a convocação do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, para um panelaço de protesto contra o fechamento da RCTV.
Cresce entre a população venezuelana a reação aos desmandos chavistas. No sábado, milhares de pessoas foram às ruas protestar contra as políticas que levaram ao colapso do setor elétrico, à crise de abastecimento e a uma inflação acima de 25%. A Igreja, por meio do cardeal-arcebispo de Caracas, Jorge Urosa Savino, deplorou o fechamento da RCTV. “Não podemos assistir passivamente a essas coisas. Temos de lutar para que respeitem nosso direito. Calar um meio de comunicação não contribui em nada para a manutenção do Estado de Direito, mas sim enfraquece as garantias constitucionais.”
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou com veemência o fechamento da RCTV e de outros canais pelo governo Chávez. Como disse o presidente da organização, Alejandro Aguirre, “a SIP continuará criticando e condenando as ações de um governo que há muitos anos está se apoiando em leis intolerantes para atacar a liberdade de imprensa e fechar meios de comunicação independentes”.
O avanço de Chávez no cerceamento à liberdade de expressão não é um fenômeno isolado no continente latino-americano. Em outros países, como a Bolívia de Evo Morales, o Equador, de Rafael Correa, e a Argentina do casal Kirchner, quem já está no poder adota medidas concretas para encilhar a imprensa. No Brasil, os autoritários incrustados no governo democrático divulgam projetos que outro propósito não têm, a não ser impedir a livre manifestação do pensamento e das opiniões ? com assinatura do presidente Lula.
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