Presidente da RCTV vê rachas no governo venezuelano; emissora se adequará “sob protestos” a nova lei para poder voltar ao ar
Marcel Granier, cujo canal já foi tirado do ar duas vezes por Caracas, participa no Brasil do Fórum Democracia & Liberdade de Expressão
Marcel Granier, presidente da emissora venezuelana de oposição RCTV, faz uma aposta: diante dos problemas internos de seu país, entre eles a crise energética, Hugo Chávez vai optar por adiar as cruciais eleições legislativas de setembro. Granier, que acaba de se envolver em mais um embate direto com o governo, diz que a situação política está se deteriorando. O empresário, que se tornou uma das figuras antichavistas mais conhecidas no exterior, vê tensões internas no governo -mas tampouco é entusiasta da oposição, que, segundo ele, ainda não se deu conta totalmente do risco do “marxismo” chavista.
Foi Granier quem anunciou na semana passada a decisão do canal de se ajustar à regra do governo, baixada em janeiro, que obriga as TVs a cabo de programação nacional a participar de cadeias para transmissão de discursos oficiais.
Segundo ele, vale a pena voltar às atividades mesmo tendo de mudar a grade de programação -70% terá de ser importada- e aceitar as transmissões do governo: cada dia fora do ar acarreta perda de US$ 300 mil.
A RCTV, então líder de audiência no país, migrou para a TV por assinatura em 2007, quando o governo se recusou a renovar a concessão para seu sinal aberto -justificou a decisão lembrando o apoio do canal à tentativa de golpe contra Chávez. Granero nega.
Nas duas vezes em que o canal saiu do ar por decisão do governo -em 2007 e agora-, estudantes saíram às ruas para protestar a favor da TV, e o caso ganhou a defesa de instituições pró-liberdade de imprensa em todo continente.
Granier participará amanhã, em São Paulo, do 1º Fórum Democracia & Liberdade de Expressão, promovido pelo Instituto Millenium. Também são esperados Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, os jornalistas Carlos Vera (Equador) e Adrián Ventura (Argentina) e o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor.
FOLHA – A TV se ajustará à regra do governo. Por quê?
MARCEL GRANIER – Temos responsabilidades não só com nossos acionistas e funcionários, mas também com nosso público. E, enquanto isso, esperamos a decisão do Tribunal Supremo de Justiça, onde apresentamos nossa ação contra essa decisão de nos tirar do ar aplicando uma regra retroativa. Em nenhum país em que há TV comercial existe um abuso como o que Chávez faz. Já são mais de 2.000 cadeias nacionais, e não estou exagerando. Antigamente, havia uma regra para as cadeias, mas agora não. Ele começa a falar na TV estatal e ordena: todos em cadeia nacional.
FOLHA – Por que o sr. acusa seu concorrente, Gustavo Cisneros, da Venevisión, de cumplicidade com Chávez?
GRANIER – Porque sua TV finge que não sabe o que está acontecendo. Fecharam mais de 40 estações de rádio em 2009. Nenhum diretor, nenhum locutor, nenhum ex-trabalhador dessas rádios foi entrevistado. Não relataram o fato nem protestaram. Estão fazendo muitos negócios com o governo.
FOLHA – Chávez afirma que a não renovação da concessão do canal, em 2007, foi motivada pelo apoio da RCTV à tentativa de golpe de 2002. O que o sr. diz?
GRANIER – Isso é falso. Se Chávez pensa isso, sua obrigação é abrir um processo contra nós. A única pessoa que Chávez acusou com nome e sobrenome de ser chefe do golpe de 2002 foi Gustavo Cisneros. No entanto, está fazendo negócios com ele. É uma incongruência.
FOLHA – Qual é a sua avaliação da situação política venezuelana?
GRANIER – A situação é muito grave. Duvido muito que haverá eleições neste ano. Vejo como Chávez está abusando cada dia mais, como está descumprindo a decisão popular de rejeitar a reforma constitucional de 2007. Apesar do “não” da população, ele está colocando a reforma em vigência por meio de leis ilegítimas. A repressão é cada dia pior, não só aos meios de comunicação independentes, mas à população que protesta em geral. Há também a situação econômica. O país, de acordo com os economistas que me inspiram confiança, não vai crescer. Sem falar na crise energética. Ontem [na quinta-feira], numa entrevista coletiva, faltou luz no palácio presidencial. Se eles não sabem operar os geradores de emergência de lá, o que será do resto do país?
FOLHA – Houve várias trocas de ministros recentemente. Há disputa interna no chavismo?
GRANIER – O problema mais importante é a disputa entre grupos que controlam os negócios do governo. O segundo problema é que há divisões entre os chavistas civis e os chavistas militares. Os militares estão ocupando mais espaço, e os civis estão tentando resistir. E há ainda um terceiro problema, comum a todo regime: a tensão gerada quando começam a ocorrer os protestos. Quem vai responder por que não há energia? Por que falta água? Isso tudo causa tensão.
FOLHA – A situação da oposição não parece ser muito melhor… Vão se unir antes da eleição parlamentar de setembro?
GRANIER – Todos sabem que foi um erro não apresentar candidatos na eleição legislativa de 2005. O que me preocupa é que não entendem que a ameaça marxista é séria, que pode trazer prejuízos ao país. Mas penso que vão se unir. Tenho esperança de que consigam unificar uma mensagem.
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