Chega o momento na vida de todo pai e mãe em que é preciso explicar para os filhos de onde vêm os bebês. E, a cada 4 anos, quando se renova o Congresso, chega o momento em que é preciso relembrar a resposta para a pergunta “por que o Brasil é um país pobre?”. Não espere de mim conselhos parentais, pois minha pretensão aqui é para com o debate público, em tratativas sobre o Brasil. Por isso, caro amigo leitor, tranque a porta, verifique se está sozinho em casa e se prepare: as linhas a seguir contém mais baixaria e sacanagem explícita do que qualquer história alternativa à vinda da cegonha.
Comecemos sem pudor: nosso País é fruto de uma orgia destrambelhada entre ideologias ultrapassadas, grupos de interesse sedentos por privilégios e estruturas políticas desenhadas para funcionar em virtude do resultado das próximas eleições. A consequência não poderia ser pior: um Estado com tentáculos sobre todos os aspectos da vida em sociedade, repleto de regimes especiais e tratamentos diferenciados pela casuística política, e intimamente entrelaçado por conceitos como patrimonialismo, clientelismo e corporativismo. Para quem ainda busca uma dose de sadismo, não se esqueça das algemas da burocracia, que se retroalimenta e cresce a cada sessão legislativa. E, naturalmente, essa luxúria toda favorece o total descontrole das finanças públicas e do rigor das regras de responsabilidade fiscal. Dito isso, e buscando amenizar as metáforas desta conversa, particularmente, gosto de entender o Estado brasileiro como uma grande colcha de retalhos.
É uma colcha de retalhos quando em perspectivas tributárias, por exemplo. Desde nossos 26 estados e Distrito Federal, cada um com uma alíquota de ICMS e, ainda, com cada produto podendo ter uma alíquota específica – até os nossos mais de 5.500 municípios com suas possíveis diferentes alíquotas de ISS. Ou, então, desde nossas confusas regras no cálculo de substituição tributária até as condições e zonas especiais para isenção e subsídio. Antes que novos erros sejam cometidos, travestidos de boas intenções, o País urge pela simplificação no pagamento de nossos tributos, sob condicional que não se utilize o pretexto para aumentar ainda mais a carga tributária nacional (já acima da média quando comparada a países emergentes). Enquanto nossos empresários, por instinto de sobrevivência, seguirem balizando suas decisões de investimento por regras do fisco – e não por fatores econômicos do chão de fábrica e da produtividade de suas plantas – ou destinando volumosos recursos para o lobby, o País como um todo seguirá mais pobre.
É uma colcha de retalhos também quando em perspectivas previdenciárias. Apesar da reforma recente, o sistema segue com um perigoso desequilíbrio atuarial. É bem verdade que a lentidão das regras de transição para idade mínima preocupam, mas o maior problema advém das bombas-relógios que estão se formando com o regime diferenciado de previdência do MEI – Microempreendedor Individual e com os regimes próprios de previdência de estados e municípios (que não entraram na reforma de 2019). No primeiro caso, com a criação da nova categoria diferenciada, preocupa o déficit advindo da contribuição irrisória frente ao benefício futuro que se promete; enquanto que, no segundo caso, muitas vezes sequer é conhecido o desequilíbrio do fluxo futuro entre aposentadorias para funcionários públicos estaduais e municipais e sua respectiva contribuição presente.
Por fim, encerro – por hora – a analogia da colcha de retalhos quando em perspectiva do comércio internacional. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo em virtude de suas barreiras regulatórias e protecionistas. E, com isso, a falta de competitividade e concorrência global garante aos ineficientes, porto seguro para cobrar a fatura dos consumidores brasileiros. As cadeias de produção se atrofiam e definham pela falta de acesso a insumos importados, assim como os amigos do rei já estabelecidos consolidam suas posições e manutenção do lobby em defesa de conceitos abstratos, como “a soberania da indústria nacional”. E, mais uma vez, atendendo à lógica clientelista, o Estado brasileiro vai concedendo uma série de benesses, tratamentos diferenciados e regimes especiais que, embora tenham justificativas bondosas e generosas no discurso político, mostram-se como as verdadeiras raízes de nossa pobreza.
Por isso, uma vez recepcionados os novos Deputados Federais e Senadores que tomam posse nesta semana, é imperativo moral para o debate público brasileiro retomar a agenda republicana que Pindorama nunca abraçou, bem como combater intelectualmente o desenvolvimentismo de quinta categoria que justifica cada ato de atraso neste País. A promiscuidade e o favoritismo entre o setor público e o setor privado que caracterizam o cotidiano brasileiro devem dar lugar ao estabelecimento de regras claras, estáveis e iguais para todos – assegurando a liberdade de escolha do consumidor, do trabalhador e do empreendedor. Deixemos a sacanagem para os pais e mães abordarem com seus próprios filhos, pois o que o Estado brasileiro precisa é de instituições aliadas ao livre comércio, à estabilidade e à previsibilidade que os cidadãos necessitam para construir prosperidade e melhor qualidade de vida.