No domingo passado, reportagem de Érica Fraga e Álvaro Fagundes informava que em 2016 o PIB per capita da China ultrapassou o brasileiro. O resultado é impressionante, pois em 1980 nosso PIB per capita era 15 vezes maior do que o chinês.
Comparar produção entre países é difícil. Em geral, o que as pessoas fazem é tomar o PIB do país medido na sua própria moeda e aplicar o câmbio para o dólar. A partir daí, compara-se o valor do PIB de diversos países na moeda americana.
O problema com essa metodologia é que o mesmo bem ou serviço pode ter diferentes preços em diversos países. Para contornar essa dificuldade, calcula-se o PIB para diferentes países em dólares, mas controlando para as diferenças sistemáticas de custo de vida. Os valores dos serviços e dos bens nos diversos países são avaliados empregando um mesmo conjunto de preços.
Controlando-se por diferenças de índice de preços, a mais recente edição do “World Economic Outlook” do FMI, de abril de 2017, documenta que o PIB per capita da China era de US$ 15.399, e o do Brasil, de US$ 15.242.
A informação que faltou é que o bem-estar no Brasil ainda é superior ao bem-estar na China. O Brasil consome aproximadamente 82% do PIB, enquanto a China consome muito menos. Em 2000, consumiu 64% de PIB. A taxa de consumo caiu a partir de 2000 até atingir o mínimo de 48% em 2008.
Com o ajuste estrutural da China, na direção de menor investimento e de maior consumo, a taxa de consumo tem crescido e foi em 2016 de 54%, 30 pontos percentuais menor do que os 84% do PIB que consumimos no mesmo ano.
Como bem-estar está associado ao consumo per capita, e não ao PIB per capita, e a desigualdade de renda na China não é muito diferente da brasileira, ainda apresentamos bem-estar superior ao chinês.
Por outro lado, se a China mantiver o enorme diferencial de crescimento em comparação à economia brasileira das últimas décadas, o bem-estar do chinês médio ultrapassará o bem-estar do brasileiro médio em alguns anos. Exercício simples de extrapolação sugere que o consumo per capita chinês ultrapassará o brasileiro em 2024.
O impressionante é que em 1980 o consumo per capita da China era o equivalente a 1/19 do brasileiro!
Uma economia que já tem renda elevada cresce no longo prazo com melhoras tecnológicas. Já tem estradas, pontes, portos, educação e saúde etc. em quantidade suficiente. A manutenção do crescimento depende de melhorar a qualidade e a produtividade com que os bens e serviços são produzidos.
No entanto, para economias que estão aquém da renda elevada, as economias com renda média, o crescimento requer capacidade de poupança. É necessário construir a infraestrutura física —estradas, portos, metrôs nas grandes cidades etc.—, bem como educar famílias cujos pais não tiveram acesso à educação formal. Esse esforço demanda poupança. Dificilmente sociedades com taxas de poupança baixas, entre 15% e 20% do PIB, como é nosso caso, conseguem manter longos ciclos de crescimento.
Ou seja, de forma bem careta, crescimento econômico sustentável no longo prazo requer que a sociedade tenha instituições que garantam que, ao longo de um ciclo de aceleração do crescimento, uma parcela apreciável da renda gerada seja poupada, caso contrário teremos sempre uma sucessão de voos de galinha. E, para tal, a agenda de reforma da Previdência é essencial. Já se perguntou dos motivos de a poupança chinesa ser tão elevada?
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/09/2017
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