Passado o primeiro mês deste “novo governo” é importante destacar os principais eventos ocorridos. Citemos três: o risco crescente de racionamento de energia e de água, dado o planejamento relapso dos governantes nos anos anteriores; o escândalo do Petrolão, com a estatal de petróleo cada vez mais desmoralizada pela sucessão de desvios; e, por fim, uma boa notícia, com a boa condução da equipe econômica, divulgando várias medidas fiscais saneadoras, mesmo com o “fogo amigo” de alguns quadros do governo. Foquemos nossas atenções na análise das medidas fiscais e seu impacto sobre as contas públicas.
Embora a meta fiscal deste ano seja bem ambiciosa, R$ 66,3 bilhões (1,2% do PIB), acabou comprometida, dado o rombo registrado em 2014 (R$ 32,53 bilhões). Isto porque Joaquim Levy, quando anunciou esta meta, partiu do resultado fiscal mais robusto esperado no ano passado, superávit de R$ 10,1 bilhões prometido por Guido Mantega. Este resultado foi anunciado no esforço de “burlar” a LRF. Agora, juntando tudo, a meta deste ano deve se aproximar de R$ 90 bilhões (ou mais). Sobre as medidas anunciadas, vejamos.
Adequação de regras mais rigorosas – Na virada do ano foram anunciadas regras mais rigorosas, como a concessão de seguro desemprego, antes em seis meses no primeiro emprego, agora passando a 18 meses. Muitos acham que esta medida não passa, dada sua impopularidade. Como a MP deve ser enviada ao Congresso e ainda discutida pelas Centrais Sindicais é possível que vários ajustes sejam adotados. Muito se comenta que este prazo de 18 meses pode cair para 12 e até 10 meses. Mantido este prazo ajustado será o mais rigoroso da América Latina, na média, em torno de 12 meses.
Foram alteradas também as regras para o abono salarial e a pensão por morte, dentre outros. Para o seguro-desemprego, o ajuste deve gerar uma economia de R$ 9 bilhões; para o abono salarial, R$ 7 bilhões, e para a concessão de pensões por morte e auxílio doença, R$ 2 bilhões. No total, a economia prometida é de R$ 18 bilhões, 0,3% do PIB, mas poucos acreditam nesta, até porque, em alguns casos, como no abono salarial, só devem ter efeito em 2016.
Contingenciamento das despesas de custeio nos Ministérios – Em seguida, o governo anunciou um corte linear de 33% nas despesas de custeio dos Ministérios, antes limitado a 1/12 avos, agora em 1/18 até a aprovação do Orçamento, o que deve gerar uma economia total de R$ 22 bilhões.
Aumento da arrecadação – Foram anunciadas novas medidas para aumentar a arrecadação e fazer frente ao pífio crescimento da economia, previsto para este ano. Com o racionamento de energia e de água, acredita-se numa taxa de crescimento do PIB negativa em até 1,5%. Sobre as medidas de “harmonização tributária” anunciadas, a previsão é de gerar um caixa de R$ 26,7 bilhões.
Neste caso, o fim da desoneração do IPI com automóveis e bebidas deve gerar um caixa de R$ 6 bilhões em 2015; o PIS/Cofins e a CIDE, R$ 12,2 bilhões; a elevação do IOF (1,5% para 3%) sobre operações de crédito para pessoa física, R$ 7,4 bilhões; a equiparação do IPI no atacado à indústria de cosméticos, R$ 400 milhões, e o aumento do PIS/Cofins sobre importados (9,25% para 10,75%), R$ 700 milhões.
A equipe econômica também anunciou a elevação da TJLP, de 5% para 5,5%, a readequação do programa de investimentos do BNDES e o não uso da Conta de Desenvolvimento Energético para subsidiar as empresas de energia elétrica. Para esta “capitalização” do setor, assim como no caso da Petrobras, a saída será o “realinhamento” tarifário. No setor energético se fala em 40% de reajuste neste ano. A ata do Copom, da semana passada, falou em 26,7% para energia elétrica e 8% para a gasolina.
[su_quote]Para piorar, quando não faltava mais nada, o resultado fiscal de 2014 foi caótico[/su_quote]
Somando todos estes ajustes já teríamos uma economia total em torno de R$ 67 bilhões, suficiente para cumprir a meta anunciada por Levy. O problema, no entanto, é que existe uma série de desafios para a execução destes ajustes, como o fato de alguns só poderem ser efetivos no ano que vem, além do contingenciamento temporário de despesas dos Ministérios, até o Orçamento ser aprovado. Outro problema, este considerável, é o espaço de manobra do governo para o corte de despesas, visto que grande destas (cerca de 80%) se encontram comprometidas por dispositivo constitucional.
Para piorar, quando não faltava mais nada, o resultado fiscal de 2014 foi caótico. O déficit primário consolidado chegou a R$ 32,53 bilhões, 0,63% do PIB, com o nominal a R$ 343,9 bilhões, 6,7% do PIB, e do governo central, R$ 17,2 bilhões, 0,3% do PIB. Este acabou gerado pela receita fraca e o excesso de despesas, crescentes em 3,6% e 12,8%, respectivamente, boa parte gerado pelas desonerações, baixa arrecadação, despesas pelo ciclo eleitoral, além dos estímulos de crédito, o que deve se refletir no aumento da dívida bruta. Em dezembro, esta chegou a 63,4% do PIB, 6,6 ponto percentual acima da registrada em 2013 (56,8%).
Além disto, observamos que a trajetória do saldo primário, elevado a algo em torno de 3% do PIB no início do mandato anterior (2011), logo depois se deteriorou, depois das várias medidas anti-cíclicas anunciadas, visando recuperar setores e evitar um mergulho recessivo da economia. Este, no entanto, pareceu inevitável, em função das várias escolhas desencontradas do governo Dilma no primeiro mandato. Cabe, neste caso, uma avaliação crítica a estes movimentos, muito relacionados aos ciclos políticos, em início de mandato com políticas econômicas austeras e no fim, com políticas mais frouxas para possibilitar a eleição (ou a reeleição) do candidato.
Em síntese, o freio de arrumação da economia brasileira parte deste quadro negativo em 2014, devendo ser reforçado ao longo deste ano, mas cabe indagar por quanto tempo será mantido ou se será suficiente para gerar uma reversão de expectativas nos agentes. Não será uma tarefa nada fácil. Sobre possíveis medidas adicionais comenta-se sobre novos cortes de investimento, criação de impostos para LCIs e LCAs, variados programas nos ministérios adiados, etc.
Ao final do ano, dificilmente fecharemos com o saldo primário prometido, de 1,2% do PIB (R$ 66 bilhões). Na visão mais realista, deve ficar em torno de 0,7%. Para 2016, a ambição do governo é obter um saldo positivo de 2% do PIB, o que também não será nada fácil, dado o espaço de manobra limitado e o baixo crescimento.
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