*FELIPE MODESTO
A iluminação urbana é um elemento central da configuração das cidades, impactando energia, biodiversidade e qualidade de vida. Com a ascensão das cidades inteligentes, o conceito tradicional de iluminação pública está sendo questionado. Isto requer uma nova perspectiva de urbanismo que equilibra eficiência energética, segurança e preservação ambiental, promovendo cidades mais sustentáveis ambientalmente, economicamente e socialmente.
De acordo com o Censo de Iluminação Pública do Brasil de 2023 feito pela ABCIP, no início do ano de publicação 2,8% do orçamento público brasileiro era destinado para iluminação urbana. Um município gastava entre 3% e 5% de seu orçamento para tal fim. No entanto, a expectativa era de que, com o desenvolvimento do Brasil, em 2032 esse custo passe a representar 9% do consumo final do setor público. É ótimo que as cidades recebam iluminação. Mas, quais as consequências disso? E se eu dissesse que diversas cidades do mundo estão se tornando mais desenvolvidas ao apagarem suas luzes?
Em um mundo onde a iluminação artificial foi historicamente associada ao progresso e à evolução, algumas das cidades mais desenvolvidas do planeta estão indo por um caminho diferente. Movidas por evidências científicas, preocupações ambientais e eficiência energética, cidades como Münster e Nohfelden na Alemanha, Hesper em Luxemburgo, Eeneind nos Países Baixos, Mechelen e Bonheiden na Bélgica, Westport nos Estados Unidos, entre outras, estão adotando uma nova abordagem para a iluminação urbana: “menos” também pode significar “melhor”.
Isso acontece porque existem três falácias no senso comum que precisam ser desmistificadas. A primeira é a ideia de que “quanto mais iluminada é uma cidade, mais ela é desenvolvida”. A segunda é a crença de que “mais iluminação equivale a mais segurança pública”. E a terceira falácia, um pouco mais sutil nos hábitos das pessoas, é a de que “quanto menos sombras existirem, melhor para a vida humana”.
Essas três inverdades se sustentam ao ignorar que: (1) o desperdício energético e a poluição luminosa são sinais de ineficiência e atraso; (2) a iluminação malfeita pode causar mais acidentes, e também criar severos contrastes de sombra que favorecem criminosos; (3) os insetos polinizadores, aves, répteis e outros animais necessitam da escuridão da noite para viverem com saúde e, com isso, evitarem o colapso do ecossistema; (4) a poluição luminosa tem efeitos nocivos na saúde humana, como aumento do estresse, insônia, riscos cardiovasculares, perda do relógio biológico, piora de quadros de depressão, diabetes, obesidade e está relacionado até com câncer de mama e de próstata.
Mas, quando nos deparamos com fatos assim acabamos ficando paralisados… Afinal, como é possível aumentar a qualidade de vida nas cidades sem causar esses danos que, gradativamente, diminuem a qualidade de vida dos cidadãos? Ainda que a questão pareça paradoxal, as mais novas cidades inteligentes estão revelando serem um caminho para isso. E o motivo reside nelas serem capazes de fazer a terapia urbana em três níveis: (1) redução de despesas com energia; (2) salvaguardo do ambiente natural; (3) e cuidado ao bem-estar das pessoas.
Projetos realizados pela empresa Tvilight em cidades como Nohfelden e Münster, na Alemanha, chegaram a apresentar uma economia de energia de até 75% depois da implementação de um sistema de iluminação inteligente baseado em sensores. As lâmpadas, assim, passaram a variar de 20% a 80% da sua capacidade, dependendo da movimentação na via, para não desperdiçar energia quando não há necessidade de haver claridade. A Estação de Tratamento de Esgoto Hesperange, em Hesper (Luxemburgo), mudou a iluminação e chegou a ter 90% de redução de custos com energia à noite. Mudanças como essas são fundamentais para uma gestão inteligente, pois o desperdício de dinheiro em iluminação malfeita é a perda de investir esse dinheiro, que provém dos impostos à população, em áreas vitais como saúde, educação e segurança da própria população.
Em 2017, pesquisadores da Sociedade Entomológica Krefeld descobriram um dado estarrecedor: a população de insetos voadores na Alemanha caiu 75% em 27 anos de análise científica. Outra pesquisa, da Universidade de Standford com a UNESP Rio Claro, apresentou que 322 espécies de vertebrados terrestres foram extintas da Terra só nos últimos 500 anos. E nas últimas quatro décadas a população de insetos no mundo caiu 45%. Se não tomarmos iniciativa consciente, as consequências serão catastróficas não apenas no nosso país de origem, mas também danificará a cadeia alimentar global, aumentando as chances de pestes, crises, até chegar em um colapso do ecossistema total. Será esse o futuro que queremos para nós?
Nesse sentido, as ilhas de Texel, nos Países Baixos, e Shurayrah, na Arábia Saudita, mostram clarividência ao atuarem com soluções tecnológicas voltadas para a proteção da fauna, flora e do céu estrelado, sem ignorar a economia e satisfação. Ao implementarem sistemas “smart” de controle de iluminação por sensores, corroborados pela mudança de suas lâmpadas, conseguiram favorecer a biodiversidade local (ao tirar o máximo possível de luz azul e exacerbada), contribuíram para uma segurança pública maior (pela eficácia da luz-sob-demanda), ademais ainda reduzindo custos de manutenção desse sistema (por não terem luzes inúteis acesas).
Cidades como Mechelen e Bonheiden na Bélgica, estão melhorando a vida de ciclistas ao implementarem a automatização das lâmpadas, permitindo que eles enxerguem o curso a sua frente, bem como reduzindo custos de energia e prejuízos ambientais, enquanto diminuem a luz quando não há ninguém na via. Westport, nos Estados Unidos, foi ainda mais longe: elaborou uma legislação municipal para combater a poluição luminosa do ambiente noturno, principalmente em relação a edifícios comerciais que queriam chamar atenção para si e prejudicavam as pessoas, peixes e pássaros da cidade litorânea. Iniciativas como essas narradas devem mostrar como uma nova abordagem a respeito da escuridão e da claridade é necessária para colocar os municípios brasileiros em um patamar mais elevado, dentro da competição global por qualidade de vida.
Dessa forma, o objetivo deste artigo não é, obviamente, dizer que não se deva investir em iluminação. Pelo contrário, deve-se. Mas tem que ser bem-feito, evitando ao máximo possível o uso de luz branca (azul) e tipologias que não tenham um direcionamento focado para a real finalidade da luz. A conclusão não é de que seja necessário tirar postes de luz, mas alterar como funcionam, para fazer um uso mais eficiente das tarifas pagas pela população. Portanto, não é preciso criar soluções megalópatas e escandalosas, pois pequenas alterações feitas com urgência, as quais se complementam dia a dia, são suficientes para formar uma urbe sustentável ao médio e longo prazo. Esse é o princípio de uma cidade inteligente, de um povo capaz de inteligir os fatos brutos.