Na pacata Bom Jesus da Serra, no interior da Bahia, 9 em cada 10 trabalhadores com carteira assinada são funcionários da prefeitura. Com renda fixa e estabilidade, eles são a pequena elite da cidade de apenas 10,5 mil habitantes. Quem não tem emprego na gestão municipal, trabalha no comércio ou tem como principal fonte de renda o Bolsa Família ou o Bolsa Safra, concedido aos agricultores que não conseguem fazer sua plantação, de feijão ou milho, vingar. O comércio é pequeno, formado por padarias, botecos, pequenas lojas de roupas e mercados. Para conseguir uns trocados, tem estabelecimento que vende até Wi-Fi: R$ 1 por 24 horas.
“Aqui tem poucas opções de trabalho, então tem de se virar para sobreviver”, afirma Gilledes do Carmo Ribeiro, dona da loja que oferece Wi-Fi, tira xerox e vende sorvetes e doces em Bom Jesus da Serra. Para o negócio dar certo, há um ano, ela troca a senha da internet a cada dia. “Se você não trabalha na prefeitura, a opção é abrir um estabelecimento comercial ou mudar de cidade”, diz ela, uma ex-moradora da zona rural.
A exemplo de Bom Jesus da Serra, o Brasil tem 530 municípios onde mais de 80% do mercado de trabalho é bancado pelas prefeituras, segundo um levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), responsável pelo cálculo do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF). Ou seja, 10% dos municípios brasileiros bancam o mercado de trabalho local.
Entre esses municípios, 96% estão em situação fiscal difícil ou crítica. “Esses dados expõem uma grande discussão sobre a quantidade de municípios do Brasil”, afirma o economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês. Desde a Constituição Federal de 1988, que alterou as regras de emancipação, o País ganhou mais de 1.500 novas cidades – o que representa custos mais altos para a manutenção de toda a estrutura municipal, com prefeita e Câmara de vereadores.
A grande maioria não tem arrecadação própria e depende das transferências estaduais e federais. As 530 cidades que têm mais de 80% do mercado de trabalho pendurado na prefeitura conseguem arrecadar apenas 3,5% de sua receita líquida – porcentual quatro vezes menor que a média nacional, segundo a Firjan. Somente um deles é capaz de suprir as despesas do funcionalismo público com a receita própria.
Ilegalidade. Em Bom Jesus da Serra, para garantir renda e estabilidade para parte da cidade, a prefeitura gasta muitos recursos e está à beira da ilegalidade. Hoje a folha de pagamento já corresponde a 58% das receitas, acima do limite prudencial de 57% estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), diz o prefeito, Edinaldo Meira Silva (PSD), conhecido como Gazzo. O descumprimento da regra pode implicar até na inelegibilidade do prefeito, se continuar fora da lei. Para enquadrar os gastos às receitas, ele pretende fazer exonerações a partir de outubro.
Gazzo está na terceira gestão. Foi eleito em 2004 e 2008. Em 2012, apoiou o sobrinho, que administrou a cidade até o ano passado. De volta à prefeitura, ele reclama da queda nas transferências federais e diz que tem sido muito difícil segurar a população na cidade por causa da falta de emprego. “Temos procurado empresas para se instalar na cidade, mas até agora não conseguimos nada.”
Um dos motivos do desinteresse é a falta de água na cidade. Com as pequenas barragens secas pela escassez das chuvas, a população convive com rodízios rigorosos. Em alguns períodos, os moradores ficam entre 8 e 10 dias sem água. Na zona rural, quase todas as famílias são abastecidas por caminhão pipa. “Nessa situação, se não fosse a prefeitura empregar algumas pessoas, o quadro seria ainda pior”, diz Gazzo.
Assim como na cidade baiana, 59 gestores municipais estão em sinal de alerta por terem ultrapassado o limite prudencial de 57%. Outros 109 já romperam o limite legal de 60% da receita corrente líquida. Em Bom Jesus da Serra, um dos indicadores mais baixos é o de investimentos. “De fato, o gasto com pessoal é muito alto e o que sobra tem de dar conta de todas as outras áreas”, diz o prefeito, que reclama da instabilidade no recebimento do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – que distribui uma parte da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) com a administração municipal.
Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, com a Constituição de 1988, várias obrigações antes bancadas pelo governo federal passaram para a esfera municipal, a exemplo de saúde, educação e assistência social. Para ajudar nas despesas, foram criados vários programas de repasse de recursos para os municípios. Mas os valores hoje são insuficientes para cobrir todos os gastos. No Hospital de Bom Jesus da Serra, diz o prefeito, o gasto é de R$ 60 mil, mas a arrecadação é de R$ 35 mil por mês.
Fonte: “Estadão”
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