O Instituto Millennium entrevistou o publicitário Jorge Maranhão, fundador da Voz do Cidadão e idealizador do projeto Cidadômetro.
Para Maranhão, o contribuinte, a quem ele acertadamente chama de “pagador de impostos”, deve saber mais sobre as taxas do que apenas o valor que paga diariamente para o Estado com a arrecadação. Ele deve saber no que isso implica e, desse modo, transformar o pensamento em ação. Agir e reagir para ter os melhores serviços em troca. Por isso, o Cidadômetro quer trabalhar com a transmissão de valores, ajudando a informar e a formar o cidadão.
O programa ainda depende de patrocinadores.
Instituto Millenium: O que é o Cidadômetro?
Jorge Maranhão: O Cidadômetro é um projeto antigo que começou como uma mera paródia, a título de comentário crítico em relação ao Impostômetro (serviço indispensável), que mede o volume de “pagadores de impostos” que somos – pois não somos contribuintes, a terminologia traz um ato falho em si, nossa relação com Estado não é de contribuição, mas é de obrigação, é um dever.
Pensado nos impostos que o cidadão paga, e se o “pagador de impostos” entende o que deva ser os serviços que o Estado oferece em relação ao que ele paga, eu sempre dizia que a Associação Comercial de São Paulo (criadora e mantenedora do Impostômetro) seria melhor entendida se a sociedade pensasse nesta relação.
Então me ocorreu que a sociedade não tem essa noção, o discurso não é claro no sistema educacional, na mídia, nem no sistema jurídico. A gente acha que paga muito imposto, mas não sabe bem qual deveria ser o retorno. É aquela velha a história… a gente paga por segurança, saúde e educação e tem de contratar os serviços privados.
Através de uma viatura própria com um megafone, vamos convidar o cidadão a participar das enquetes que vão medir o grau de cidadania, a partir de três níveis, e revelá-las instantaneamente em um sinalizador que ficará no carro, acompanhando o resultado.
A ideia é acompanhar as pautas da imprensa para chamar a atenção do cidadão para a ocupação do espaço público. Ele vai votar, ser levado à reflexão, checar o resultado da enquete e ainda escolher um panfleto entre as 50 edições sobre cidadania.
O Cidadômetro vai medir a cidadania através de perguntas que ao mesmo tempo vão transmitir valores ao fazer o indivíduo refletir sobre: consciência política, público e propriedade e ação política.
Conscientizar sobre o espaço público é uma das propostas, pois na nossa concepção, ele vai desde a calçada, que é de garantia de manutenção do privado de quem está na residência, na loja ou na empresa em frente à ela. A responsabilidade é do ente privado, apesar de ser pública. Isso é recente, veio com o surgimento da cidade – uma metáfora da Renascença é existência da calçada. A calçada é um lugar intermediário entre o público e o privado e por isso o lugar ideal para o questionamento sobre cidadania. Tem que haver uma consciência de ambos.
Falta o cidadão usuário se interessar em tomar conta do espaço garantindo que ele é publico, há um déficit por parte do cidadão.
Com a pauta do momento em mãos, selecionada a partir da cobertura da imprensa, nós vamos até o cidadão, vamos a lugares de grande fluxo para fazer cidadão parar um pouco para pensar sobre alguns temas. Vamos questionar se o espaço público (onde a entrevista estará sendo realizada) está sendo ocupado indevidamente por outro cidadão ou pelo próprio Estado, como a mídia eventualmente mostra, por exemplo, no caso (viaturas em locais proibidos).
Perguntas como “Você acha que é um cidadão solidário?” poderão ser feitas no Camelódromo (área onde grassa a informalidade e a pirataria, no Centro do Rio de Janeiro) ou no Jardim Botânico (Zona Sul), se ocupado indevidamente por interesses privados. Todos os espaços são de interesse público. Eu posso fazer uma pauta com os pais do bairro de Realengo (onde houve a tragédia na escola) para saber onde houve falha, onde é que falhou a cidadania.
O importante é levar à uma participação privada no controle do espaço público.
Instituto Millenium: Por que a campanha escolheu trabalhar os conceitos Vida, Segurança, Justiça, Liberdade, Propriedade, Honra?
Maranhão: A gente acha que no Brasil a corrupção não é apenas financeira, mas acredita que ela destrói os valores, corrompe.
Não há a deveres para se habilitar a ter direitos. O maior inimigo da democracia é a demagogia, mais que a tirania que é a negação dos valores, se eu corrompo, eu fraudo. A demagogia é você oferecer ao cidadão só direitos. Não há como você não cobrar os deveres do cidadão para com as instituições. Há uma relação utilitária. O primeiro discernimento do cidadão engajado é o conteúdo político.
O Estado é demagogo quando prometes direitos sociais, quando oferece facilidades, mas desequilibra contas públicas. “Não existe almoço grátis”, já dizia o economista Milton Friedman. Se o cidadão realmente quer saúde, educação, todos os bens sociais, tem que saber que isso tem um custo, tem que saber se ele quer mesmo, e checar se isso está sendo entregue.
Os valores da cidadania são os mesmo valores morais da sociedade judaico-cristão que são a vida, a liberdade, a legalidade, (a lei que vai garantir o limite das ações das instituições) e a propriedade. São valores: legalidade e justiça, vida e segurança, a propriedade e a busca da felicidade e por fim a liberdade. Você não explica esses conceitos por eles próprios. Um depende do outro. Qualidade de vida não é a vida Nossa tradição política é fraudulenta e corrompe esses valores, por isso vamos utilizar os panfletos como informação e transmissão de valor sobre vários temas aos cidadãos.
Instituto Millenium: Como as questões do Cidadômetro ajudam o indivíduo a perceber o “grau” de cidadania? Ter noção das falhas é importante para a construção de um novo modelo?
Maranhão: Pela própria questão. Acredito que se possa transmitir valor para um ser humano através de transmissão de conhecimento. A mídia inteira se cala para a essência da chacina de Realengo, que na verdade, é uma questão privada. Tem uma questão de ordem privada, Esse garoto não é filho de um cidadão. A transmissão de valores é papel de formação de valores não só pela escola pública, mas pela família.
Instituições como a família, as empresas, s igreja são sistemas de transmissão de valores e esse menino não teve. O Estado não pode tudo, ele também é produto da nossa cultura. O Estado brasileiro é injusto, fraudulento, mas que tipo de cidadãos nos temos que deixamos ele crescer.
Eu questiono até os próprios empresários, cadê a cidadania corporativa? Citando Demetrio Magnoli, é preciso recuperar o sentido de cidadania enquanto propriedade política e barrar o “Capitalismo de Estado” vigente no Brasil. O Estado socializa a dívida pública enquanto mantém instituições, subsidia empresas que, em contrapartida, ajudam na manutenção do poder.
Instituto Millenium: Como o Sr avalia o Cidadômetro do País? O Brasil evoluiu na questão nos últimos anos? E para o que é mais urgente atentar?
Maranhão: No Brasil tudo é fraudado, até a liberdade (o conceito de liberal) é fraudada. O igualitarismo é a fraude da liberdade. Mas o País evoluiu muito, infelizmente mais as massas, os que não tiveram chance de educação para cidadania, do que as elites.
Nós precisamos urgentemente educar as nossas elites. Elas são aquinhoadas no conhecimento, mas do que adianta se formar em Harvard se não respeitam a ética no Brasil? Nós vivemos num Estado que ameaçar a liberdades civis e isso ocorre porque existe a omissão das elites, que são 20 milhões de brasileiros que pagam o alto imposto, mas não tem consciência de cidadania de que é dever deles cobrar .
O Brasil precisa aplicar o dinheiro do Estado na segurança da vida, na justiça, na polícia, nas Forças Armadas, na saúde, na educação pública. A partir daí, nada pode ser gasto do Estado. Nada.
Instituto Millenium: O assistencialismo garante a cidadania? Por quê?
Maranhão: O assistencialismo não garante, e ao contrário, o primeiro estágio (da conscientização) é o cidadão acreditar que cidadania é solidariedade, mas se ele entender que a cidadania é um conceito político, vai entender que ela não se faz com programas sociais, mas com a simplificação dos processos judiciários.
O assistencialismo não leva a uma consciência do terceiro grau que é a ação cidadã. A transmissão de valores é que transforma e leva os cidadãos a atuarem politicamente através de ações privadas.
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