A baixa taxa de poupança brasileira, por volta de 15% do PIB, tem diversas implicações para o equilíbrio macroeconômico. A mais importante delas é a elevadíssima taxa de juros. Se tivéssemos taxas de poupança na casa de 20% do PIB, próximas das observadas nos demais países da América Latina, conviveríamos com uma Selic muito mais civilizada.
A baixa poupança, na verdade, não pressiona só a taxa básica de juros, mas também o “spread” bancário, encarecendo o crédito. Adicionalmente, dificulta a vida da indústria de transformação, pois tende a manter o câmbio mais valorizado.
Geralmente uma sociedade que poupa pouco precisa recorrer à poupança externa para financiar o investimento. Por exemplo, no ano passado poupamos 15% do PIB e investimos 19%. Logo, tivemos que recorrer a 4% do PIB de poupança externa.
Economias que importam poupança são as que absorvem mais do que produzem e que por isso têm deficit comercial. E, por sermos muito competitivos em commodities, o déficit necessariamente será em manufaturados, o que significa importar mais manufaturados e substituir produção doméstica.
[su_quote]Geralmente uma sociedade que poupa pouco precisa recorrer à poupança externa para financiar o investimento[/su_quote]
É comum acreditar que a diferença de taxa de poupança entre as economias que muito poupam e as que pouco poupam encontra-se na taxa de poupança das empresas. As diferenças entre as taxas de poupança das famílias seriam menores.
Não ocorre dessa forma. Por exemplo, a taxa de poupança das empresas na China é de 23% do PIB, e, no Brasil, de 15%, diferença de oito pontos percentuais. Para as famílias, a taxa de poupança é de 23% do PIB na China e de 5% no Brasil, diferença, portanto, de 18 pontos percentuais. Finalmente, para o setor público, a poupança é de 4% do PIB na China e de -5% do PIB no Brasil, com diferença de nove pontos.
Por que a poupança das famílias no Brasil é tão baixa? Esse fato é ainda mais paradoxal porque, do ponto de vista da demografia, deveríamos apresentar taxas de poupança pessoal muito elevadas, já que ainda não temos muitos idosos (que tendem a poupar menos) e a população infantil é bem menor do que foi nas décadas passadas.
É comum alegar que a elevada taxa de poupança asiática é cultural. Argumento pouco convincente. A China na década de 1950 não apresentava taxas de poupança tão elevadas. A menos que em 60 anos tenha havido forte alteração cultural, teremos que procurar em outros lugares os motivos da elevada taxa de poupança chinesa.
É sabido que a elevada taxa de poupança pessoal na China é fruto da baixíssima cobertura dos seguros e dos serviços sociais básicos: saúde, educação básica, aposentadoria, pensão por morte, seguro-desemprego, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez etc.
Por outro lado, nossa baixa taxa de poupança familiar é explicada pela elevada cobertura de nossos programas sociais. Recente trabalho dos pesquisadores Ricardo Brito e Paulo Minari, do Insper, mostra que no Brasil os diversos programas de seguro social para o envelhecimento são suficientes para garantir um padrão de vida na aposentadoria próximo do conseguido ao longo da vida ativa para 97% da população. Somente para as pessoas com renda superior a 20 salários mínimos há a necessidade de constituição de poupança adicional para manter o padrão de vida ao longo do período de inatividade.
Note que a China apresenta renda per capita próxima da brasileira e desigualdade de renda também próxima da brasileira. Ou seja, na China, tanto pobres quanto ricos poupam muito.
Em razão de nossa estrutura de incentivos, um chinês aqui radicado deve se comportar da mesma forma que um brasileiro nativo.
Como indivíduos, respondemos aos incentivos. Não somos nem cigarras nem formigas. No entanto, enquanto sociedade, escolhemos e desenhamos nosso Estado de Bem-Estar Social de forma a gerar baixíssimo incentivo à poupança. Coletivamente somos cigarras.
Um chinês com a mesma renda familiar que um brasileiro vive hoje muito pior que o brasileiro. No entanto, por causa do elevado crescimento lá e baixo cá, o filho do chinês viverá muito melhor. A escolha é da sociedade e não é possível afirmar que este modelo é melhor do que aquele.
Fonte: Folha de S. Paulo, 5/4/2015
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