Depois de uma semana de nojo, alguns fatos vieram à publicidade semelhantes aos do passado. O primeiro deles relacionado com o ministro do Desenvolvimento. O curioso é que a senhora presidente manifestou-se de forma inusitada quando à convocação ou ao convite a ele dirigido por uma comissão da Câmara; depois recomendou à base aliada blindasse ministro: mais tarde adotou a versão, segundo a qual o ministro não deveria dar explicações a respeito de sua vida privada. O tema merece algumas reflexões. Desde logo, a posição oficial chama a atenção tendo em vista que ninguém podia saber as perguntas que seriam feitas ao ministro e em que medida poderiam interferir em sua vida íntima. De resto, ninguém mais do que ele saberia distinguir o que pode ser discutido e o que seria vedado.
Assim, parece precipitado barrar a investigação antes de ela começar, numa suposição de que a vida privada do ministro seria destrinchada em praça pública… Aliás, eu seria capaz de sugerir ao bloco governista acolhesse cortesmente a iniciativa da minoritária oposição, pois a investigação poderia evitar surpresas desagradáveis, como as que levaram seis ministros a afastarem-se dos seus ministérios. Esses antecedentes não recomendam o governo e nem o ministério escolhido. E esses dissabores poderiam ser evitados tempestivamente mediante a investigação sugerida.
De outro lado, tenho observado que a maioria parlamentar de hoje repete à perfeição o procedimento da maioria ao tempo do regime autoritário! Parece incrível, mas é o que parece, embora faça 30 anos que estou afastado da cena parlamentar.
Outro aspecto, talvez o mais significativo diz respeito à vida privada. Até a senhora presidente parece ter colocado a vida privada em uma redoma de cristal no alto de inacessível pedestal. Ora, algumas distinções devem ser feitas. Ressalte-se desde logo que entre a vida privada e a vida pública há um consórcio contínuo, uma interferindo em outra. Em verdade uma completa a outra e uma não pode discrepar da outra.
Outrossim, há vida privada e vida privada. E se há vida privada indevassável a quem quer que seja, também há vida privada que não pode ser ignorada quando se trata de homens públicos e de prover um cargo público. Poderia dar uma centena de exemplos, mas limitar-me-ei a um ou dois. De alguém que se diga bígamo, peculatário, contrabandista, sonegador, ou que descumpre deveres familiares importantes, maltrata a mulher, não aprecia honrar compromissos, e dos quais existem sintomas vários, em período anterior de sua vida, dele não se pode dizer que tenha reputação ilibada; pode ficar “blindado” a qualquer inquirição por parte da representação popular ou, ao contrário, o interesse público estaria a aconselhar exame, que não é policial, mas cívico, e esclarecedor da adequação do nome ao cargo cogitado.
Assim, há aspectos da vida privada que podem ser apurados quando se trata de alguém que é indicado para exercer função relevante na vida do país. Esses e outros aspectos dariam margem para uma monografia, mas é hora de pôr fim a este artigo.
Não parece aconselhável erigir critérios absolutos e radicais em relação a problemas e situações múltiplas. Também é preciso conhecer as circunstâncias. Ulysses Guimarães gostava de citar a frase de Ortega y Gasset, que corre mundo, “sou eu e as minhas circunstâncias”. Para dizer quase o mesmo do que disse o famoso filósofo espanhol e o recluso Machado de Assis, lembro passagem deste em Esaú e Jacó: para tranquilizar a mãe dos gêmeos que desde o ventre andavam às turras, Aires fez esta observação: “Tenha confiança, baronesa… Conte com as circunstâncias, que também são fadas.”.
Fonte: Zero Hora, 19/12/2011
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