Pesquisas recentes mostram que a maior parte dos eleitores brasileiros está satisfeita com sua vida. O país está mais rico, a classe média cresceu. Mesmo assim, as pesquisas mostram que cresce o desejo de mudança. A sociedade parece entender que há riscos ao status quo, sendo necessários ajustes para avançar. Uma discussão de estoque versus fluxo.
Interessante discutir essa questão à luz do comportamento dos índices de confiança do consumidor, que têm dois componentes: situação presente (ou condições atuais) e expectativas.
A análise dos índices no Brasil revela algo curioso. No passado, o componente expectativas, grosso modo, corria sempre acima do componente situação presente. Ou seja, o consumidor sempre esperava um futuro melhor do que o presente. Era um padrão que se distinguia, por exemplo, do norte-americano, onde o índice de expectativas mostra-se mais estável, enquanto que o de condições atuais oscila em torno do primeiro. O consumidor sente a oscilação de curto prazo da economia, mas isso não afeta muito a visão do futuro.
Era comum atribuírem o resultado à ideia de que o brasileiro é sempre otimista. Sendo ou não correto, o fato é que o quadro mudou, estando o padrão atual mais próximo ao da experiência norte-americana. Talvez isso reflita uma maior maturidade da sociedade.
Entre 2010-12, os indivíduos contavam com condições bastante favoráveis no mercado consumidor, por conta dos estímulos expressivos ao consumo. A componente situação presente atingiu picos históricos. Ainda assim, as expectativas se mantiveram relativamente estáveis, correndo bem abaixo da componente situação atual, segundo a FGV. A euforia de consumo não influenciou, de fato, as expectativas futuras.
Agora, no entanto, o retrato da confiança do consumidor não é nada animador. A queda da confiança desde o pico de 2012 tem sido puxada pelos dois componentes. Fica a impressão de um consumidor que enfrenta mais dificuldades no dia-a-dia, mas também está menos confiante no futuro. Estaria temendo retrocessos nas conquistas da última década?
O que motiva este movimento? O tema demanda análise mais ampla. Ainda assim, é possível afirmar que a economia tem grande peso neste movimento, especificamente no componente situação presente. A confiança do consumidor é uma variável pró-cíclica, ou seja, oscila no mesmo sentido do ciclo econômico. Se a economia vai bem, o consumidor fica otimista, e vice-versa. E o ajuste é rápido.
Com base em modelos econométricos, observa-se que, principalmente, a taxa de ocupação na economia e, em menor medida, a taxa de inadimplência contribuem para explicar a confiança do consumidor. Neste sentido, a piora recente do humor do consumidor teria relação direta com a queda da taxa de ocupação desde o final de 2012: 53,3% em abril deste ano ante o pico de 54,7% em novembro de 2012, na série que desconta o padrão sazonal.
A alta recente do índice de inadimplência tampouco ajuda, sendo que apesar de o atraso nos pagamentos estar baixo em relação à carteira de crédito dos bancos, ele está bastante elevado em relação à renda anual dos indivíduos.
O retrato é, portanto, de uma classe média incomodada. As sondagens mostram que os indivíduos começam a temer pelo seu emprego, enquanto enfrentam crescentes dificuldades financeiras. Os indivíduos estão bastante endividados (46% de sua renda anual em março; valor elevado tendo em vista a renda per capita do país e a taxa de juros ao consumidor), comprometem parte importante de sua renda com pagamento do serviço da dívida (22%) e acumulam grande volume de dívidas em atraso em relação ao seu histórico (5%). E a saída encontrada de recorrer ao crédito rotativo agrava o problema. Cartão de crédito e cheque especial são justamente as categorias de crédito com taxas de juros mais elevadas.
O orçamento das famílias está mais apertado e sensível à inflação elevada. Não faltam notícias sobre mudanças de hábitos da classe média para fazer frente a tempos desafiadores.
Este movimento ainda está em curso. Ainda não bateu o fundo do poço. E infelizmente é condição essencial para a inflação cair e restabelecer as condições para crescimento mais saudável adiante. O tamanho da correção necessária não está claro, no entanto. A sociedade, naturalmente, não parece disposta a pagar esse preço e, corretamente, desconfia que com ajustes é possível crescer mais e com inflação mais baixa. Cresce assim o desejo de mudança.
O fenômeno da nova classe média é ingrediente central para avanço. Não faltam evidências que sociedades democráticas com classe média numerosa estão associadas à renda per capita mais elevada, bem como IDH maior.
As demandas sociais se alteram. A sociedade brasileira hoje parece demandar um melhor equilíbrio macroeconômico e serviços públicos de qualidade. A forma como os governos as atendem as demandas sociais depende, além de competência, das crenças do incumbente.
Mais estado, com subsídios a setores e produtos e todo tipo de política social, ou menos estado? Será mesmo que no DNA da sociedade está o estado grande e intervencionista ou será que este é um vício de governos que buscam muitas vezes atalhos por conta da suposta emergência de algumas demandas? Qual o ponto de equilíbrio desejado e possível?
Que o debate no Brasil seja sustentado em bases sólidas, menos opinativo e levando em consideração o entorno atual de severas dificuldades fiscais e de falhas regulatórias que necessitam ser corrigidas. Debate responsável com boa dose de pragmatismo. A sociedade agradece.
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