As disposições do contrato de seguro, formal e de adesão, são aceitas quase que integralmente pelo segurado, que tem pouca margem de manobra para negociar
O contrato de seguro, chamado apólice de seguro, é um contrato com regras e particularidades que o fazem único, diferente da imensa maioria dos contratos. Essas regras o definem como um contrato bilateral, oneroso, formal, de adesão, da mais estrita boa fé e de resolução futura.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor inclui a maior parte das relações de seguros entre as hipóteses sob sua proteção, ou seja, as regras de proteção do consumidor se aplicam a elas, se sobrepondo ao clausulado, ainda que baseado diretamente em outras disposições legais.
Sendo um contrato formal e de adesão, as disposições do contrato de seguro são aceitas quase que integralmente pelo segurado, que tem pouca margem de manobra para negociar sua vontade e modificar as condições impostas pela seguradora.
O segurado pode determinar os capitais segurados, a inclusão de cláusulas acessórias, escolher franquias, etc., mas mesmo essa liberdade é relativa e deve obrigatoriamente se enquadrar nos textos alternativos oferecido pela seguradora.
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Durante muitas décadas, o Brasil viveu sob o monopólio do resseguro do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), que impunha tarifas obrigatórias para todos os ramos de seguros e que, se não fossem seguidas pelas seguradoras, poderiam acarretar sanções tão graves quanto a liquidação da companhia infratora.
Em meados da década de 1980, aconteceu a flexibilização dessas tarifas, com a concessão da capacidade das seguradoras oferecerem descontos comerciais em seus prêmios de incêndio e lucros cessantes. A partir daí o setor começou um processo de liberdade tarifária que, após o fim do monopólio do resseguro, deu a cada seguradora a faculdade de desenhar seus produtos de acordo com suas políticas comerciais e de aceitação de riscos.
Ou seja, as antigas tarifas obrigatórias deixaram de ser impositivas e, consequentemente, deixaram de fazer lei, obrigando as seguradoras a se aterem às suas disposições. Hoje, cada companhia tem seu próprio clausulado e é ele – e apenas ele – que deve prevalecer nas relações com seus segurados.
Assim, a seguradora não pode se valer de outras cláusulas que não as constantes da apólice especificamente emitida para o caso concreto para eventualmente decidir de forma diferente da prevista no contrato pelo qual recebeu o preço determinado por ela.
Infelizmente, parte dos problemas que geram ações judiciais que podem terminar por distorcer a aplicação correta dos princípios legais atinentes ao contrato de seguro tem origem na adoção de teses, cláusulas e conceitos não previstos ou aplicáveis ao caso concreto para a solução de problemas, a maioria deles relativos à indenização dos sinistros.
Não é tão raro acontecer de uma indenização ser negada com base em cláusulas impostas obrigatoriamente pela Susep (Superintendência de Seguros Privados), só que para outro tipo de seguro, que pode ter cobertura semelhante à apólice para a qual as cláusulas obrigatórias são impositivas. O fato de haver garantias semelhantes não significa que elas sejam iguais. Como o objetivo do seguro, nesses casos, não é o mesmo, evidentemente, cada apólice cobre uma situação específica e tem redação própria, que prevalece sobre qualquer outra, por mais obrigatória que seja.
Se a seguradora desenvolve um determinado clausulado e o insere em suas apólices, para o segurado é indiferente se a cláusula está ou não está de acordo com as disposições baixadas pelo órgão regulador. Ou se em outros tipos de seguros com garantias semelhantes a redação é diferente. No caso concreto prevalece a redação da apólice emitida para o caso concreto.
Na relação de seguro, quem conhece o tema e tem a capacidade legal de impor as condições do contrato é a seguradora. Como ao segurado cabe apenas aceitar o que lhe é ofertado, não tem sentido, no momento do pagamento da indenização, a seguradora pretender se valer de disposição diversa da constante da apólice e, portanto, desconhecida do segurado, como um ás sacado da manga, para se furtar ao cumprimento de sua obrigação.
Fonte: “Estadão”, 17/09/2018