*Danton Moura
Os clusters tecnológicos constituem, hoje, um dos fenômenos mais relevantes para decifrar as engrenagens da inovação, tanto em economias capitalistas avançadas quanto nas emergentes.
A concentração geográfica de empresas de ponta, centros de pesquisa, universidades e instituições de apoio ao empreendedorismo gera um ecossistema único de aprendizado coletivo e spillovers de conhecimento, que transcende a lógica pura da concorrência isolada.
Embora a observação sobre a importância da geografia econômica remonte a Alfred Marshall e seu conceito de “distritos industriais” no século XIX, o termo “cluster” foi popularizado e cunhado na sua acepção moderna por Michael Porter, professor da Harvard Business School nos anos 90.
Um cluster é uma concentração geográfica de empresas e instituições interconectadas em um campo particular, ligadas por características comuns e complementares Esta definição desloca o foco da vantagem competitiva da firma individual para o sistema de relações em que ela está inserida.
Sob a ótica da Economia Evolucionária Neo-Schumpeteriana – que tem como expoentes autores como Christopher Freeman, Richard Nelson e Sidney Winter –, a emergência desses clusters não é um mero acaso ou simples resultado de vantagens comparativas estáticas. Eles são, antes, a expressão concreta de um processo histórico e path-dependente, no qual o capitalismo se reinventa continuamente. Esse processo é alimentado por três pilares interligados:
1. Inovação Tecnológica: Seguindo o espírito de Joseph Schumpeter, a inovação é o motor da “destruição criativa”. Nos clusters, a proximidade física acelera a difusão de novas tecnologias e práticas.
2. Cooperação Institucional: A inovação não nasce no vácuo. Ela é fruto de uma teia complexa de interações entre universidades (fonte de conhecimento fundamental), empresas (que comercializam o conhecimento) e governos (que regulam e fomentam o ambiente), no que se convencionou chamar de “Tríplice Hélice”.
3. Trajetórias Cumulativas (Path Dependency): A escolha de um caminho tecnológico inicial, muitas vezes fortuita, pode “travar” um desenvolvimento regional em uma direção específica. O conhecimento tácito, difícil de ser codificado e transmitido à distância, acumula-se localmente, criando uma vantagem competitiva sustentável e cada vez mais difícil de ser replicada. O caso clássico do Vale do Silício, que se desenvolveu a partir de investimentos iniciais em defesa e da cultura da Universidade de Stanford, é o exemplo perfeito dessa trajetória.
Dessa forma, os clusters tecnológicos são a materialização de um sistema de inovação nacional e regional em funcionamento, onde a sinergia entre atores gera um resultado coletivo superior à mera soma de suas partes individuais. A acumulação desse conhecimento pode ser expressa de forma simplificada pela equação:
At+1 = (1 − δ)At + ϕIRD t + β X j wijAj,t
em que At designa o estoque de conhecimento localizado, δ a taxa de obsolescência tecnológica, ϕ a eficiência do investimento em P&D e o termo β P j wijAj,t representa os spillovers entre firmas e instituições vizinhas, ponderados por uma matriz de proximidade W = [wij ]. Essa formulação ilustra a natureza cumulativa do aprendizado: a produtividade inovativa depende simultaneamente dos esforços internos e da interação com o ambiente cognitivo.
Joseph Schumpeter já havia assinalado que a essência do capitalismo reside em seu dinamismo criativo, no movimento incessante de destruição criadora que desorganiza antigas estruturas produtivas ao mesmo tempo em que abre espaço para novas formas de acumulação. A tradição neo-schumpeteriana, desenvolvida por autores como Nelson e Winter, aprofunda essa intuição ao conceber a economia como um sistema evolucionário em permanente transformação, no qual as empresas não agem com racionalidade perfeita, mas como organismos adaptativos que aprendem, acumulam rotinas e inovam sob condições de incerteza. A inovação, nesse contexto, emerge de processos de tentativa e erro, de interações cumulativas e da capacidade de ajustar comportamentos aos sinais de um ambiente competitivo em constante mutação. É precisamente essa natureza adaptativa que confere aos clusters tecnológicos seu papel estratégico: eles funcionam como laboratórios vivos de experimentação capitalista, onde a proximidade geográfica e institucional favorece o transbordamento de conhecimento tácito, acelera a difusão de inovações e fortalece o aprendizado coletivo. Nesse ecossistema articulado, universidades formam capital humano e produzem conhecimento científico, empresas o convertem em aplicações econômicas, e o Estado provê estabilidade, financiamento e regulação, de modo que o desempenho individual de cada agente passa a depender da densidade e da qualidade das conexões sistêmicas que sustentam a inovação. A produtividade agregada resultante dessas interações pode ser descrita pela função:
Yt = AtKα t L 1−α t , At = A γ t Ωt
onde At expressa a produtividade total dos fatores, composta por um componente técnico (At) e outro institucional (Ωt), que reflete a qualidade da coordenação sistêmica, os marcos regulatórios, a infraestrutura de inovação e os arranjos de financiamento. O termo γ capta o peso do conhecimento internalizado sobre a eficiência global do sistema. Assim, o progresso técnico não é um evento exógeno, mas o resultado da interação entre capacidades internas e coerência institucional.
A interpretação de Possas (2008) amplia essa visão ao destacar a necessidade de integrar a dinâmica microfundada das rotinas e da inovação às dimensões macrodinâmicas do crescimento econômico. A inovação não é apenas resultado de mutações aleatórias, mas de processos intencionais de busca sob incerteza, permeados por racionalidade limitada e aprendizado. A economia evolucionária, nesse sentido, distancia-se tanto do equilíbrio 2 neoclássico quanto de modelos deterministas de inspiração biológica, enfatizando a historicidade das trajetórias tecnológicas e o papel ativo das empresas, do Estado e das instituições.
A sinergia Estado–Mercado–Universidade ocupa posição estratégica nesse processo. Enquanto o mercado fornece o dinamismo concorrencial que pressiona por inovações, as universidades oferecem o substrato científico e a formação de capital humano qualificado, e o Estado atua como coordenador, financiador e regulador, reduzindo incertezas e construindo as bases institucionais para a inovação. Como destaca Lundvall (2007), a noção de sistemas nacionais de inovação permite compreender que a inovação é fundamentalmente um processo interativo e sistêmico, no qual empresas, universidades e instituições públicas compõem um núcleo articulado de aprendizado cumulativo, sustentado por um arcabouço institucional mais amplo que envolve educação, mercado de trabalho, financiamento e regimes de propriedade intelectual. Assim, longe de ser uma limitação à liberdade econômica, a ação estatal, quando bem desenhada, amplia as condições para que o capitalismo expresse sua vocação evolucionária: transformar conhecimento em riqueza, empregos e progresso social.
Exemplos concretos reforçam essa leitura. O Vale do Silício, nos Estados Unidos, não teria atingido sua relevância global sem a interação virtuosa entre universidades como Stanford e Berkeley, um Estado disposto a financiar pesquisa de risco em setores estratégicos e um mercado vibrante, aberto ao capital de risco e à experimentação empresarial. O mesmo pode ser dito de regiões como a Emilia-Romagna, na Itália, ou o polo de Campinas, no Brasil, onde universidades e centros de pesquisa, em articulação com empresas e políticas públicas, construíram ambientes favoráveis ao surgimento de inovações disruptivas e à diversificação industrial. Tais experiências ilustram que o capitalismo, em sua vertente mais criativa e transformadora, depende menos da lógica individualista pura e mais de redes institucionais de cooperação que alimentam a competição inovativa.
No caso brasileiro, os desafios são evidentes. Como demonstra Nascimento (2024), o país ainda investe proporcionalmente menos em pesquisa e desenvolvimento (PD) do que outras economias de porte semelhante, o que limita a capacidade de geração de inovações endógenas e perpetua a dependência de trajetórias tecnológicas externas. Embora o Brasil figure entre as maiores economias do mundo, seus dispêndios em PD permanecem reduzidos tanto em termos absolutos quanto relativos ao PIB, configurando uma vulnerabilidade estrutural em termos de competitividade internacional. A defesa de um capitalismo nacional inovador exige, portanto, políticas públicas robustas que incentivem a pesquisa aplicada, atraiam investimentos privados e consolidem universidades como centros de excelência científica e tecnológica.
É importante ressaltar, contudo, os entraves institucionais e culturais que dificultam o pleno desenvolvimento dos clusters no Brasil. A distância entre a pesquisa acadêmica e sua aplicação industrial, a rigidez burocrática do Estado e a insuficiente cultura de cooperação em diversos setores empresariais representam barreiras significativas. Superar tais obstáculos implica reformas institucionais, mas também uma mudança de mentalidade: compreender que a competição capitalista se potencializa quando alicerçada em redes colaborativas e em ambientes que premiam a inovação. A eficiência da pesquisa e desenvolvimento, portanto, não é constante, mas dependente das condições institucionais 3 que moldam o ambiente inovador.
Pode-se representar essa relação pela expressão:
ϕ = ϕ0 · Ωt
onde ϕ0 indica a produtividade intrínseca da P&D e Ωt traduz o multiplicador institucional. Um sistema institucional robusto — com políticas de longo prazo, estabilidade macroeconômica e mecanismos de cooperação — amplia o retorno social da inovação e acelera a trajetória de difusão tecnológica.
Sob a perspectiva neo-schumpeteriana, enriquecida pelos aportes de Lundvall e Possas, os clusters tecnológicos são a expressão concreta da natureza evolucionária do capitalismo. A sinergia Estado–Mercado–Universidade não é antagônica ao espírito capitalista, mas sim sua realização mais avançada: um arranjo institucional capaz de acelerar a destruição criadora, transformar ciência em prosperidade e sustentar trajetórias tecnológicas endógenas. Defender o capitalismo como melhor sistema, nesse contexto, é reconhecer sua capacidade adaptativa e histórica de produzir progresso quando apoiado por instituições que favorecem a inovação, o aprendizado contínuo e o fortalecimento de sistemas nacionais de inovação. Assim, mais do que um sistema econômico estático, o capitalismo deve ser compreendido como um processo evolutivo, e os clusters tecnológicos são a prova viva de sua vitalidade transformadora.