Renovou, mas nem tanto. A partir de janeiro, a Câmara terá 18 novos rostos entre os 51 eleitos, mas continuará com pouquíssimos negros e mulheres, mantendo um abismo de distância em relação à população do Rio. Nas cadeiras do Plenário Teotônio Vilela, serão sete vozes femininas (14% dos vereadores) e 44 masculinas (86%). Na cidade, no entanto, 55% do eleitorado são mulheres. O percentual de negros (grupo formado por pretos e pardos), segundo o Censo de 2010, é de 48%. Mas, nas urnas, 70% dos escolhidos para legislar se declararam brancos. Talvez a mudança mais relevante tenha sido a idade média da Casa, que rejuvenesceu quatro anos, caindo de 52 para 48, faixa etária de 8% dos votantes na capital — 40,94% das pessoas que vão às urnas têm menos de 40.
A Câmara começará o ano olhando para problemas nascidos no passado, como a crise econômica do estado e o legado dos Jogos Olímpicos. Para analistas políticos e vereadores já eleitos, a perda de oito cadeiras do principal partido da Casa, o PMDB, não reduz a capacidade da legenda de fazer alianças pragmáticas, que poderão levar à permanência de Jorge Felippe (PMDB) na presidência por mais quatro anos. Ao GLOBO, ele confirmou que pretende concorrer ao quinto mandato consecutivo.
Renovação questionada
A alta escolaridade também é uma das marcas da nova Câmara, que pouco mudou em relação à antiga legislatura: 36 dos 51 vereadores eleitos têm ensino superior completo (70%). Em 2013, o percentual chegou a 72,5% da Casa. Uma realidade diferente da verificada entre os votantes: só 9,83% possuem nível universitário e 63% dizem não ter completado sequer o ensino médio.
Com características distantes das verificadas na população, serão desafios para os novos vereadores tornar a Câmara mais rigorosa com o Executivo e reconectá-la ao cidadão, que, segundo analistas políticos, pouco conhece o trabalho dos legisladores. Para a professora do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), Márcia Dias Ribeiro, o que se vê hoje é uma inversão da regra: é o Executivo, com base forte, que anda controlando o plenário.
— O Legislativo acaba atuando a reboque do Executivo quando o governo tem maioria. O que não é exatamente a melhor atuação republicana. O ideal é o Legislativo contrariar o Executivo — pondera Márcia.
De acordo com ela, a redução no número de cadeiras do PMDB — e o ligeiro crescimento da bancada do PSOL, que passou de quatro para seis vereadores — é consequência do resultado do primeiro turno da disputa para a prefeitura. A professora questiona a renovação da Casa:
—Isso representará diferença na atuação futura? Tudo depende da capacidade do prefeito eleito de formar uma base aliada. Ambos os candidatos vão ter essa dificuldade. Mas como Marcelo Crivella (do PRB) vem de um partido de direita, terá mais facilidade para dialogar com a maioria.
Apesar de pertencerem a campos ideológicos opostos, os dois vereadores mais votados do Rio, Carlos Bolsonaro (PSC) e Tarcísio Motta (PSOL), têm algo em comum: a crítica ao PMDB.
— A gente começa com o pé esquerdo na Câmara, já que a tendência é eleger um presidente que está no cargo há oito anos. Se existia uma possibilidade de renovação, de dar novos ares, isso não vai acontecer. Existe um movimento político para que o presidente seja reeleito. Por outro lado, acho bacana a chegada de gente nova, como o Leandro Lyra, do Novo. Infelizmente, o legislador perdeu sua autonomia. O prefeito tem total ingerência aqui dentro, e acho que isso vai continuar — reclama Carlos Bolsonaro.
Dono de um capital de 106.657 votos, Carlos não esconde as origens. A sala de espera de seu gabinete é decorada com fotos do pai, Jair, nos tempos de militar. Do lado de dentro, há dois bonecos infláveis do ex-presidente Lula com uniforme de presidiário (os chamados Pixulecos), além de policiais de brinquedo, charges e cartazes com críticas aos “defensores do fundamentalismo homossexual”. Eleito pela primeira vez aos 17 anos, ele promete, em seu quinto mandato, continuar lutando contra o debate das questões de gênero em unidades de ensino e defendendo a proposta da escola sem partido para combater a “doutrinação ideológica” nas salas de aulas.
Professor, Tarcísio Motta se despede dos alunos do Colégio Pedro II para se dedicar ao mandato em tempo integral e se opor ao projeto de despolitização das escolas. Ao GLOBO, ele afirma que outros debates devem dominar a Casa, como o da crise financeira, que pode começar a macular as contas da cidade. Defendendo uma candidatura do PSOL à presidência da Câmara, o que vê como “razoável”, Tarcísio acredita que o trabalho em plenário deve ser independente do Executivo:
— Acho que isso precisa mudar. A Câmara não pode ser legitimadora das propostas do Executivo. Queremos promover debates, e não ser mera correia de transmissão do governo.
Candidatura à presidência
Jorge Felippe, que começará 2017 com seu sétimo mandato como vereador, nega as acusações da oposição de que seu partido conseguiu imobilizar a Câmara:
— O primeiro ato que fiz como presidente foi procurar o prefeito e dizer que todas as mensagens que ele enviasse à Casa deveriam ir com o secretário de governo responsável por aquela política. Tinha que ser um procedimento mais democrático entre os poderes. Havia uma ampla e profunda discussão dentro do Legislativo — defende o vereador, que será novamente candidato ao comando da Casa “se isso contribuir com a unidade do parlamento”.
Tão experiente quanto Jorge Felippe, a vereadora Rosa Fernandes (PMDB) também está indo para a sétima legislatura — no seu caso, consecutiva. Com madeixas louríssimas e adepta de saltos altos, ela admite ser chamada de “tia” pelos novatos. É considerada uma espécie de subprefeita pelos moradores de Vista Alegre e Irajá. Mora na região até hoje.
— Meu trabalho é de voto distrital, de ouvir a população. Uma praça tem nome, mas muitos a chamam de “a praça da Rosa”. O que eu gosto é de ser vereadora. Não dou um tijolo. Não é esse o meu papel, mas, se a prefeitura suspende uma obra, os moradores vêm reclamar comigo — afirma Rosa, filha de Pedro Fernandes, que faleceu em 2005 e teve dez mandatos na Câmara.
Ainda faltam quatro meses para o início dos trabalhos, mas o matemático Leandro Lyra, eleito com quase 30 mil votos, já começou a frequentar a Casa e a estudar seu regimento interno. Aos 24 anos, será o mais novo integrante da próxima legislatura. Promete um mandato diferente, a começar por um gabinete enxuto, com apenas seis assessores (são permitidos 20) e pautado na fiscalização do Executivo.
— Já estou me ambientando, conhecendo o pessoal. Recebi uma dica: estudar e chegar aqui conhecendo o regimento. Ele será o meu maior aliado. Construir consenso e levar pautas adiante será um desafio, mas a transparência e a fiscalização não dependem de outras pessoas — pondera o único eleito pelo Novo, que esperava receber “mil, dois mil votos”, mas acabou sendo o décimo mais votado na cidade.
“Falta fiscalizar o executivo”
Apesar da pouca idade, Lyra é um dos mais instruídos da nova legislatura. Nascido em Belém do Pará, formou-se pelo Instituto Militar de Engenharia (IME). É também doutorando em economia pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), onde fez mestrado em finanças. Ele promete se opôr à regularização do aplicativo Uber e de seus concorrentes e atuar nas áreas de educação e saúde. Sobre o excesso de proposições sem relevância da atual legislatura (67% do total de projetos apresentados por vereadores reeleitos, conforme O GLOBO publicou ontem), Lyra garante que seu mandato terá poucas moções e homenagens:
— Não digo que não farei nenhuma. Mas umas dez, em quatro anos, está de bom tamanho.
Aos 71 anos, o vereador Cesar Maia é o mais velho da Casa. Carrega a experiência de ter sido prefeito do Rio durante 12 anos (1993-1996, 2001-2014 e 2005-2008), mas ainda é novato no Legislativo, indo para seu segundo mandato. Cesar diz — e seus colegas confirmam — que consegue transitar bem entre oposição e governo:
— Acho que há um reconhecimento não pela idade, mas pelo fato de ter sido prefeito três vezes e por me comportar como um vereador vibrante, novato. Se a oposição não consegue uma assinatura para fazer uma emenda, eu a consigo, de vez em quando. Consigo furar esse bloqueio.
Coordenador de mobilização da Rede Meu Rio, que busca aproximar os cariocas da política e que acompanhou as principais atividades desta legislatura, João Mauro Senise disse que vai intensificar o trabalho de monitoramento nos próximos anos.
— Vamos ter um desafio maior, pois tivemos uma pulverização na Câmara. É bom, porque espalha a força política, mas também atrapalha um pouco o prefeito que será eleito. Tanto Marcelo Freixo (do PSOL) quanto Crivella terão que negociar bastante. Vamos voltar a fazer um acompanhamento semanal das pautas, marcando presença e cobrando dos vereadores — afirma Senise. — O município já tem mais de seis mil leis. Não faltam novas leis. Falta fiscalizar o Executivo.
Fonte: O Globo.
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