Já é rotina nos laboratórios brasileiros: a burocracia emperra durante meses a importação da tecnologia necessária para pesquisas e impede o lançamento de trabalhos inéditos.
Mas este cenário pode passar por uma reviravolta a partir de amanhã, quando a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara de Deputados votará um projeto que prevê a importação de insumos para pesquisas cientificas e tecnológicas sem pagamento de impostos ou qualquer entrave burocrático.
Um levantamento realizado em 2010 pelo Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da UFRJ mostrou que 99% dos cientistas precisam importar equipamentos e materiais perecíveis, os reagentes.
A imensa maioria (92%) espera pelo menos um mês para a chegada dos insumos.
Nos EUA e nos países europeus os produtos são entregues em um ou dois dias.
— Tem muita gente esperando por avanços nessa área — destaca a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), relatora do projeto de lei. — Vamos ter que dar um voto de confiança aos nossos pesquisadores.
Camundongos barrados
Poucos anos atrás, Mayana Zatz, diretora do Instituto Nacional de Células-Tronco em Doenças Genéticas da USP, importou oito camundongos, dois casais e seis filhotes, para estudar distrofias musculares.
Mas a fêmea deu à luz outros quatro e, por isso, os animais foram retidos ao chegar no país.
Afinal, só havia autorização para que oito roedores chegassem ao Brasil.
Demorou uma semana até que o impasse fosse resolvido. É um pequeno episódio que mostra o tamanho dos obstáculos a um trabalho.
— Preciso assinar quatro ou cinco papéis para dar entrada à importação de qualquer reagente — lamenta. — Muitas vezes, estes materiais não comprovam nossas pesquisas, então precisamos fazer solicitação para outros reagentes, e o drama se repete.
Neurocientista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Stevens ReRehen coordenou enquetes sobre como a burocracia afeta a pesquisa brasileira.
O questionário hoje é respondido por apenas 60 questionados — já foram 300. Para Rehen, tratase de um sinal de como seus colegas estão descrentes em qualquer mudança de rumo.
— Para mandar ou receber células de outros países, precisamos contratar uma empresa, e esta operação custa mais do que o material que estudamos — queixa-se.
— Até percebemos uma sensibilidade no alto escalão, mas isso não chega ao funcionário da alfândega.
Lygia da Silva Pereira, professora do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da USP, ressalta que a burocracia paralisa as pesquisas e mancha a reputação da ciência brasileira no exterior.
— Já devolvemos materiais a outros países porque eles ficaram meses aqui sem que conseguíssemos levá-los ao laboratório — lembra.
— Não estamos pedindo mais dinheiro do governo, e sim mecanismos para trabalhar para ele, que é nosso financiador.
Ele cria uma série de dificuldades que não nos deixa produzir o que somos capazes. É um tiro no pé.
De acordo com a pesquisadora, o país tem “a capacidade intelectual de Primeiro Mundo, mas apoio administrativo e legal de Terceiro Mundo”. Com isso, alguns cientistas fizeram as malas e levaram seus estudos para países em que recebem mais investimentos.
É o caso de Alysson Muotri, biólogo molecular e professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia.
— A visão de que o material de pesquisa precisa ser taxado e controlado é retrograda e vai contra os interesses do país — protesta
. — Foi preciso um jogador famoso de futebol ter uma filha com uma doença grave para que isso seja discutido — acrescenta, referindo-se ao deputado Romario (PSB-RJ), autor do projeto, e sua filha Ivy, portadora da Síndrome de Down.
O projeto de lei terá ainda que passar pelas comissões de Ciência e Tecnologia e de Constituição e Justiça. A partir dai, seguiria direto para o Senado, sem passar pelo plenário da Câmara.
Fonte: O Globo
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