A Câmara de Paraty funciona em dois prédios, no miolo do centro histórico do município. Em um deles fica o plenário. No outro, os gabinetes. Cada um dos nove vereadores tem o seu. E o que não falta é empregado comissionado para atendê-los: são 73. Servidores efetivos, apenas nove. Ou seja, 89% dos funcionários da Casa não prestaram concurso público. Mas Paraty — que, mesmo tendo apenas uma sessão ordinária por semana, só reuniu seis dos nove legisladores na segunda-feira passada — está longe de ser um caso isolado. Dados de 2014 das 92 câmaras municipais, apurados junto aos tribunais de Contas do Estado (TCE) e do Município (TCM), revelam que o número de pessoal comissionado é três vezes maior que o de concursados: 9.016, contra 2.956.
Uma auditoria feita pelo TCE foi além e apontou que, em cinco das câmaras fluminenses, não há um único servidor efetivo. Todos os funcionários que trabalham para vereadores em Cambuci, Carapebus, Seropédica, Santo Antônio de Pádua e Tanguá são contratados pelos políticos eleitos. Das 92 casas legislativas, 84 têm mais comissionados do que concursados. Uma praxe que o presidente do TCE, Jonas Lopes, qualifica como “burla ao concurso público”:
— A Constituição exige e obriga o concurso, que é a única forma de ingresso no serviço público. Mas a maioria das câmaras não privilegia o mérito. Elas têm funcionários não efetivos acima do que seria um limite razoável. São colocados os apadrinhados dos políticos para trabalhar.
Nas 91 câmaras fiscalizadas pelo TCE (a da capital é controlada pelo TCM), o gasto mensal médio com os 7.627 comissionados do estado foi de R$ 20.611.302,59 em 2014 (R$ 267,94 milhões em todo o ano). A auditoria do tribunal mostrou que, com os 2.178 servidores concursados, as casas legislativas gastaram, em média, R$ 9.461.390 por mês no ano passado (em todo o estado, a conta chegou a R$ 122,99 milhões).
A capital não foge à regra: dos 2.167 funcionários, 1.389 (64%) estão fora do quadro efetivo. Os gastos com funcionários não concursados não são detalhados no portal de transparência da Casa e tampouco foi disponibilizado pelo TCM.
Contratações por apadrinhamento
Exemplos de que a regra é contratar por critérios políticos não faltam. Em Mesquita, 238 (99%) dos 240 funcionários são comissionados. Em Nova Iguaçu, de um total de 235 empregados, 221 (94%) não prestaram concurso para a Câmara. Em Petrópolis, os 164 comissionados representam 84% dos 195 funcionários. Niterói, com 236 (28%) comissionados entre os seus 837 empregados, é uma das exceções.
Há casos de câmaras com apenas um servidor efetivo, como acontece em Rio Claro e Quatis. Respectivamente, são 24 e 34 comissionados. Localizada na Serra da Mantiqueira, a 145 quilômetros do Rio, Quatis tem na agricultura a base da economia. No pequeno município de pouco mais de 13 mil habitantes, a única servidora da Câmara é conhecida até do prefeito, Bruno da Padaria, e chegou a ser citada em discurso de posse do atual presidente da Casa, Hélio Ricardo Batista (PMDB), que, ao assumir a função em maio passado, prometeu realizar um concurso para equilibrar o quadro. Mas o desequilíbrio já está sob apuração no Ministério Público.
Em Porto Real, onde 75 (ou 87%) dos 86 funcionários são comissionados, a Câmara chegou a assinar, em maio, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que deve entrar em vigor em agosto. A Casa comprometeu-se a realizar concurso público e a reduzir salários acima do piso. O MP quer que 70% dos funcionários sejam efetivos.
A Câmara de Petrópolis também promete realizar concurso ainda este ano. O prazo de contratação dos aprovados na última seleção — em 2010 — já expirou. Na ocasião, 31 servidores foram efetivados, depois de três décadas sem concurso para o Legislativo.
Palavra de especialista
Por Hermano Cabernite, advogado especialista em administração pública
“A nossa lei máxima (Constituição Federal) institui que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público, ressalvando as nomeações para cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração, que, como regra geral, terão de ser especificamente de chefia, direção e assessoramento; e deverão demandar confiança entre o servidor nomeado e o seu superior hierárquico.
Esses cargos em comissão devem ser estabelecidos mediante lei (federal, estadual ou municipal) que defina o limite máximo de tempo, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, ou seja, para evitar solução de continuidade.
No meu entender, deve sempre ser respeitado o princípio da razoabilidade ao se analisar o limite de tempo a ser permitido — pois a contratação permitida é temporária —, assim como quanto ao interesse público nessa contratação.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que deve ser mantida uma proporcionalidade entre o número de efetivos e o de comissionados, para que seja observado outro princípio, neste caso, o da proporcionalidade.
Em que pese ser subjetiva a definição de limite temporal, entendo razoável o prazo de um ano para a contratação. Quanto ao percentual de cargos em comissão, entendo que seu limite será de 50% dos cargos em exercício (metade, no mínimo, terá que ser exercida por servidores concursados).”
Fonte: O Globo
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