Os pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff e do ministro Antonio Patriota reafirmaram que o Itamaraty deverá dar continuidade à política do governo anterior, mas prenunciam mudanças importantes de estilo e de ênfases.
O tom dos discursos de posse foi positivo e indica que as ações brasileiras no exterior serão mais pragmáticas e menos ideológicas, menos protagônicas e mais cautelosas. Tanto a presidente Dilma quanto o ministro Patriota tem perfis técnicos e de pouca exposição pública.
Os compromissos externos continuarão a demandar tempo e esforço, mas a prioridade da política externa deverá ser menor diante da importância e da urgência da agenda interna social e econômica (combate à inflação, apreciação do câmbio, redução do custo Brasil para aumentar a competitividade dos produtos brasileiros, entre muitos outros, como a reforma política e tributária prometidas pela presidente).
O novo chanceler, depois de ressaltar a preservação das conquistas dos últimos oito anos, fez referências expressas a quatro mudanças importantes na política externa:
• Gestão inclusiva e integradora. A menção tem um duplo significado: para o público interno é a revalorização da experiência da geração anterior de diplomatas, desprezada pelo governo passado, explicitada pela escolha do embaixador Ruy Nogueira como secretário-geral; sinaliza, por outro lado, uma influência menor de considerações ideológicas ao enfatizar o compromisso com os interesses permanentes do Estado brasileiro e não com a plataforma de um partido político.
• Busca de adaptações e reconsiderações de certas ênfases, em função de desdobramentos internos e externos Certamente por inspiração da presidente Rousseff, o ministro reconhece que excessos retóricos e ativismo pirotécnico são página virada. Sem tornar explícitas as mudanças, tudo indica que não serão repetidos os equívocos em relação ao apoio ao governo teocrático do Irã e à sua política nuclear, e ao eloquente silêncio no tocante à defesa dos direitos humanos. Deverão ser reconsideradas as políticas em relação a Honduras e aos países desenvolvidos, em especial os EUA. A política externa, profissional, retorna a seu leito natural em busca de um consenso, quebrado nos últimos oito anos.
• Desaceleração do ritmo de crescimento da abertura de embaixadas.
Reconhecimento de que a crescente projeção externa brasileira não depende de gestos em busca de prestígio e de que os objetivos da política externa não serão perseguidos a qualquer custo.
• Parcerias tradicionais serão preservadas e ampliadas.
A prioridade continuará a ser o Sul (a expressão Sul-Sul ano não foi mencionada em nenhum pronunciamento, nuance que deve ser notada), mas os países desenvolvidos, sobretudo os EUA e a Europa, não serão tratados de maneira preconceituosa.
De forma pragmática, no discurso de Patriota foram mencionados apenas três países: a Argentina (pela parceria estratégica), a China e os EUA, sintomaticamente escolhidos para as primeiras viagens externas bilaterais da presidente Dilma Rousseff.
Em relação aos EUA, não mais escutaremos ataques gratuitos ao país e a seu presidente, e a visita a Washington, nos próximos meses, deverá abrir uma nova fase de entendimentos baseados no respeito mútuo e na cooperação.
Tendo Marco Aurélio Garcia sido mantido, seria surpreendente se o fio condutor da política externa fosse alterado de forma pronunciada. Resta saber qual grau de visibilidade e de influência na formulação e execução da política externa terá o assessor internacional da Presidência da República. Segundo se noticia, Marco Aurélio está ampliando o número de seus funcionários e suas áreas de atuação.
A indicação do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães como a alta autoridade do Mercosul, provavelmente, terá tido a inspiração e o apoio do assessor internacional.
O aceno ao diálogo aberto e honesto feito pelo ministro Patriota deve ser aceito pelos que criticaram a política anterior. Democraticamente, contudo, a sociedade e a oposição deverão cobrar a prometida adaptação e reconsideração dos excessos e equívocos cometidos pelo governo anterior.
Fonte: O Globo, 11/01/2011
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