Reportagem da “Gazeta do povo” mostrou que 901 pessoas recebem salários acima do teto constitucional no Espírito Santo. O levantamento foi produzido com base nos portais da Transparência do governo do estado, da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça (TJ-ES), do Ministério Público Estadual (MP-ES) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES).
O teto do funcionalismo público nacional, o maior salário a que alguém tem direito, deve ser de R$ 33,7 mil, o que equivale aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, no entanto, brechas legais permitem que cifras bem maiores que essa estejam nos contracheques de servidores e membros de Poderes e órgãos públicos.
O secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, ressalta que o teto nunca foi um limite efetivo para os salários. “A sociedade considera os pagamentos acima de R$ 33,7 mil como imorais, mas há a justificativa legal. O teto nunca foi o limite”, afirma.
O economista lembrou que o Senado aprovou na semana passada projetos que visam acabar com os supersalários. “Os senadores tentaram amarrar o que nós chamamos de penduricalhos, identificar o que pode ficar dentro e o que estaria fora do teto, o que é parcela remuneratória e o que é parcela indenizatória. Foi um bom trabalho”, explica.
Para Castello Branco, os projetos parecem justos, ainda que haja segundas ou terceiras intenções, como dizem os representantes do Ministério Público e do Judiciário. “É simplesmente fazer com que o teto constitucional seja cumprido. É uma tentativa de evitar os supersalários, que são absolutamente fora da realidade”, ressalta.
Os textos aprovados pelo Senado tornam claro o que deve ou não ser incluído no teto, estabelecem maior transparência na divulgação dos vencimentos e preveem punições ao gestor que fizer pagamentos em desacordo com as novas regras. Mas para entrarem em vigor, as propostas ainda precisam passar pela Câmara dos Deputados e pela sanção presidencial.
Enquanto a regra não muda, na folha de outubro do Ministério Público Estadual, a mais recente exibida no Portal da Transparência, 29% dos servidores e membros receberam mais de R$ 33,7 mil. Quando os dados restringem-se apenas a promotores e procuradores da ativa, o percentual chega a 98% e a média salarial fica em R$ 43,6 mil.
Metodologia
No levantamento, a reportagem não contabilizou os pagamentos referentes a 13º salário e férias, nos casos em que eles estavam especificados. O abate-teto foi considerado e deduzido. Já os descontos de Previdência e Imposto de Renda foram ignorados. Em alguns portais, no momento da coleta das informações, as planilhas mais recentes datavam de novembro; em outros, de outubro.
No Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), de um universo de 4.689 pessoas, 493 receberam mais de R$ 33,7 mil no mês passado, entre magistrados e servidores, um percentual de 10,5%. A média salarial desses 493 foi de R$ 43,7 mil.
Na folha de novembro do governo do Estado, que inclui ativos e inativos, 89 pessoas receberam mais de R$ 33,7 mil. Isso num universo de 92,3 mil servidores públicos. Na Assembleia Legislativa somente uma pessoa recebeu salário maior que R$ 33,7 mil em outubro: uma procuradora da Casa, que, apesar de ter sofrido o abate-teto, contou com R$ 34.514 naquele mês.
No Tribunal de Contas (TCE-ES), todos os conselheiros e procuradores do Ministério Público de Contas receberam além do teto em novembro. Somente o subsídio de cada um deles é de R$ 30.471,10. A isso, soma-se, por exemplo, o auxílio-moradia de R$ 4,3 mil. Somente com essa operação eles já ultrapassam o teto do funcionalismo em valores brutos.
Isso porque o já polêmico auxílio, pago desde o final de 2014 após decisão liminar (provisória) do ministro do STF Luiz Fux a magistrados, membros do Ministério Público e conselheiros de contas, não sofre o abate-teto.
O auxílio-moradia é um dos pontos a serem limitados de acordo com o Projeto de Lei do Senado 449/2016. O benefício, que hoje é pago como verba indenizatória, passaria a ter caráter remuneratório e sujeito ao teto caso não se trate de um valor a ser ressarcido. Hoje, não é preciso comprovar nenhuma despesa para contar com os R$ 4,3 mil.
Por dentro dos números
Executivo
– 89 pessoas receberam acima de R$ 33,7 mil em novembro. Tiveram média salarial de R$ 50,5 mil.
– 645 pessoas receberam acima de R$ 19,4 mil, que é o salário do governador. Em regra, servidores estaduais devem ter ganhos menores que esse.
– O maior ganho que aparece no Portal da Transparência é de R$ 326,6 mil, recebido por uma pensionista. Segundo o governo, o valor líquido é de R$ 260 mil, retroativo a 2014, pago após regularização da beneficiária.
-A tabela do Executivo tem 92.358 pessoas, entre ativos e inativos.
Judiciário
– 493 receberam mais de R$ 33,7 mil em novembro.
– Um analista judiciário embolsou R$ 99.590,15, sendo R$ 4.380,89 referentes a indenizações e auxílios, R$ 74.463,58 a vantagens eventuais e R$ 9.810,21 a vantagens pessoais. Ele recebeu 13º ou férias, rubricas não consideradas neste levantamento. No entanto, o Portal do Judiciário não permite identificar se ele recebeu uma ou outra coisa, nem o valor exato do benefício.
– Dos 493 que estão acima do teto, 86 receberam 13º ou férias.
– Entre os acima do teto, a média salarial é de R$ 43,7 mil.
– A folha tem 4.689 servidores e magistrados, ativos e inativos.
Ministério Público
– 306 dos 1.058 servidores, promotores e procuradores, ativos e inativos ganharam mais que R$ 33,7 mil. Ou seja, 29% estiveram acima do teto.
– Considerando apenas os 298 promotores e procuradores, só cinco receberam menos que o teto, em outubro.
– O maior salário foi R$ 68.736,93, recebido por uma promotora. Do total, R$ 38.052,53 corresponderam apenas a indenizações.
– A média dos ganhos de promotores e procuradores acima do teto é de R$ 43,6 mil.
– Só uma procuradora recebeu acima do teto: R$ 34.514. Entre os extras, R$ 7,9 mil como gratificação por tempo de serviço e R$ 4,7 mil por assiduidade.
– A folha de outubro tem 1.519 nomes.
Tribunal de Contas
Dos 513 servidores ativos, 12 receberam acima do teto. São todos os conselheiros da Corte e todos os procuradores do Ministério Público de Contas. Há um único servidor, auditor de controle externo, que recebeu valores retroativos devido a uma promoção tardiamente aplicada. O maior salário foi de um conselheiro: R$ 39.288,04. Ao subsídio de R$ 30,4 mil, foram acrescidos auxílios (R$ 5,5 mil) e função gratificada (R$ 4,5 mil). Houve um abate-teto (R$ 1,2 mil), mas ainda assim os vencimentos ultrapassaram o limite.
Fonte: Contas Abertas.
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