Em paralelo ao mundo de amizade e celebração do futebol, as relações internacionais se tornam mais hostis e incertas. Infelizmente, isso não é fruto apenas dos inimigos da ordem liberal em que vivemos, mas também daquele que deveria ser seu maior protetor: o presidente americano.
Conforme já argumentei anteriormente, a postura irascível de Trump no cenário externo tem seu lado bom para conter nações menos poderosas e hostis, como o Irã e a Coreia do Norte. A decisão de retaliar a Síria pelo uso de armas químicas mandou um recado claro a todos os ditadores que antes colocavam as manguinhas de fora. Pensarão duas vezes antes de qualquer ação mais ousada. Isso é positivo. Mesmo assim, ainda não rendeu frutos concretos. Na Coreia do Norte, os Estados Unidos fizeram concessões sem exigir nada em troca. No Oriente Médio, está cada vez mais certo que Assad continuará no poder.
Em relação a grandes potências adversárias, o resultado tem sido ruim. Que a China aumente seu poder no Oriente talvez seja inevitável. O que não era inevitável era dar a Xi Jinping também a chance de defender os valores de liberdade, comércio e cooperação internacional, ocupando o vácuo de liderança e auferindo os ganhos econômicos do isolacionismo comercial americano. O poder global americano é problemático; mas será que a China faria melhor ou pior?
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Com Putin, Trump novamente levou a pior. Num ato inédito de desmoralização de seu próprio país, deu mais crédito à palavra do presidente russo (de que não interferiu na política americana) do que às investigações da CIA e do FBI. Ao falar da deterioração das relações entre as duas potências, dividiu a culpa entre ambas, sem nem mencionar as repetidas agressões da Rússia contra o Ocidente e os Estados Unidos em particular. Putin, por sua vez, não retribuiu o favor: o Estado russo continua a fazer o que bem entende na Ucrânia, na Crimeia, na Síria, na Inglaterra.
Nações menores podem se amedrontar, mas as potências rivais aos EUA têm nadado de braçada em meio às águas revoltas do governo Trump.
O pior aspecto da política internacional trumpista, contudo, está na relação com seus aliados. A própria distinção entre aliados e rivais é algo que Trump parece ignorar. Seu mundo consiste nos Estados Unidos de um lado e, de outro, competidores que sugam recursos americanos e não dão nada em troca. É por isso que, em entrevista à CBS, chamou a União Europeia de “rival” (“foe”) econômico. E é por isso que já ameaçou casualmente abandonar a Otan.
A ordem mundial em que vivemos, criada a partir do fim da Segunda Guerra, garantiu, ainda que de maneira imperfeita, algum respeito à liberdade individual, à integração econômica e à democracia em uma parte crescente do globo, além de criar mecanismos para a paz. Por estarem no topo inquestionável dessa ordem, os EUA também arcam com uma fatia maior dos custos. Querer recalibrar esses custos é legítimo, como Obama vinha fazendo pela via diplomática. Colocar tudo em risco em nome de ganhos de curto prazo é loucura.
Não existe um Estado mundial para garantir acordos entre Estados. Há apenas o equilíbrio delicado entre autointeresse e confiança mútua, que Trump tem feito de tudo para deteriorar. Os aliados americanos na Ásia e na Europa já sentem que terão que se virar sozinhos e se armar. Os Estados Unidos economizarão uns trocados, é verdade (que nem de longe compensam o que se perderá no fechamento comercial); e a ordem global americana corre o risco de falir.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 17/07/2018