Nada é mais convincente que a falta de alternativas. Obrigados a fechar as portas pelo coronavírus., os varejistas brasileiros aumentaram sua presença no comércio eletrônico em poucas semanas. Já os consumidores, impedidos de sair às ruas, compraram 30% mais na internet em abril na comparação com março.
Na pandemia, estima-se que o e-commerce ganhou ao menos 4 milhões de novos clientes, que devem manter o hábito depois. A tendência fortalece as plataformas de gigantes do comércio on-line, mas acentua a crise que o varejo físico já enfrentava antes.
Os números são da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), que observou salto na venda virtual de brinquedos (400%), artigos esportivos (200%) e cosméticos (80%).
— Vamos sair da crise com mais pessoas comprando pela internet. Muitas passaram a fazer isso pela primeira vez devido ao isolamento. Perderam o medo — diz Mauricio Salvador, presidente da Abcomm.
Parte importante do impulso vem de pequenos lojistas que nunca pensaram em vender na rede. Como criar uma plataforma em tão pouco tempo era inviável, a solução de muitos foi usar as já estabelecidas. São os chamados marketplaces de companhias como B2W (Submarino e Americanas) e Amazon, que permitem que terceiros vendam em seus sites em troca de comissão.
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‘Ambiente desafiador’
Na Olist, plataforma que ajuda pequenas marcas na entrada e melhora das vendas nos marketplaces e já atende 12 mil, o número de empresas off-line que migraram para os shoppings virtuais já aumentou quatro vezes. Em maio, deve crescer mais dez vezes, prevê o diretor-presidente da Olist, Tiago Dalvi:
— Mas é um ambiente desafiador, com grande concorrência e que exige lidar com catálogo, prazos de entrega, estoques e publicidade. É difícil aprender do dia para noite.
Logo no início da pandemia, o Magazine Luiza criou o programa Parceiro Magalu para atrair pequenos varejistas com lojas fechadas pelas medidas de contenção do coronavírus, dando desconto na comissão. Já ganhou 16 mil novas empresas para seu marketplace, mais que os 14 mil que tinha no fim de 2019.
— O que planejávamos fazer em 50 semanas, fizemos em cinco dias — conta Leandro Soares, responsável pelo marketplace do Magalu.
O Magazine Luiza tem uma parceria com o Sebrae para preparar pequenas empresas para ingressar na plataforma. Segundo César Rissete, gerente de competitividade do Sebrae Nacional, o plano é “acelerar” 100 mil empresas com parcerias similares:
— Em 2018, só 27% das pequenas tinham página na internet. Venda on-line, então, era muitíssimo mais raro. Agora a tendência veio para ficar.
A Samsung também reforçou sua atuação na área digital em parceria com grandes redes de varejo. A empresa criou uma página chamada “Conecte-se à sua casa” e, para elevar as vendas, desenvolveu uma série de ações promocionais, com descontos de até R$ 2 mil na compra de itens como televisores, geladeira, lava e seca e ar-condicionado. Ao escolher os produtos, o cliente é direcionado para o e-commerce de uma das redes varejistas que participam da ação com a companhia.
— Sempre tivemos uma presença forte em todos os canais de vendas, por isso, estávamos bem preparados para a natural migração de vendas ocorrida – disse Erico Traldi, diretor da divisão de TV e áudio da Samsung Brasil.
O ICOMM Group, dono dos sites Shop2gether e OQVestir, viu o número de clientes subir de 30 mil para 43 mil pessoas. Segundo Eduardo Kyrillos, presidente da companhia, lembra que o confinamento aumentou as vendas de pijamas e roupas para dormir.
— Para abraçar o pequeno varejista de moda neste momento delicado em que estamos passando, acabamos de lançar um marketplace chamado (2)Collab. Ele foi criado para ser um fomentador de pequenas e médias marcas de moda brasileira, proporcionando um ambiente seguro onde elas possam vender e promover seus produtos. Nessa primeira fase da nova plataforma, já iniciamos com 40 marcas disponíveis e tivemos mais de mil outras marcas interessadas em participar do projeto desde o início da pandemia.
São vários os exemplos de pequenas empresas que estão sobrevivendo graças ao impulso on-line. A fabricante de produtos de beleza Be Factory, por exemplo, estreou na rede durante a pandemia, vendendo 27 mil unidades de álcool em gel e produtos antissépticos em apenas 14 dias em diferentes marketplaces, conta a diretora comercial Fabiana Seixas.
Na plataforma da Netshoes, a YoungFit quintuplicou suas vendas de itens como elásticos e anilhas para exercícios. O faturamento dos marketplaces de Netshoes (artigos esportivos) e Zattini (moda) mais que dobrou na pandemia em relação ao ano passado, diz Mauro Lopez, diretor das plataformas, que foram compradas pela Magazine Luiza em 2019.
A plataforma de vestuário Dafiti lançou nos últimos dias uma campanha para atrair pequenos negócios, prometendo processo mais rápido.
— Colocamos executivos com a missão de “plugá-los”, permitindo que começassem a vender em até uma semana — disse Malte Huffmann, co-fundador da Dafiti.
André Nascimento, diretor da marca catarinense de moda infantil Boogmix, diz que suas vendas na Dafiti crescerem entre 15% e 20% na pandemia:
— Eu teria um custo muito elevado para atrair para um canal próprio o tráfego que o marketplace proporciona — diz Nascimento, sem abandonar a estratégia para o varejo tradicional. — Tomamos o cuidado de não vender na internet com um preço muito descontado em relação ao que vendemos em lojas tradicionais. Seria predatório. Todos os canais são importantes.
Lojas físicas sob risco
Nas grandes redes de lojas físicas, há preocupação com a migração de clientes para a internet, mas elas também estão reforçando a presença na web. Na Via Varejo (dona de Casas Bahia e Pontofrio), a fatia do e-commerce no faturamento subiu de 30% para mais de 70%, invertendo o balanço entre lojas físicas e a internet.
Na rede Riachuelo, com as lojas fechadas, o comércio eletrônico se tornou o principal canal de vendas. Os pedidos pela rede triplicaram com a pandemia, segundo Elio Silva, diretor de Marketing da varejista. Entre março e abril, o aplicativo da rede já foi baixado mais de 730 mil vezes.
— Investimos R$ 168 milhões em 2019 no comércio eletrônico. Na quarentena, triplicamos as vendas. Além disso, estamos acelerando outras soluções inovadoras, como venda por WhatsApp e drive-thru em algumas lojas, especialmente para o Dia das Mães.
O alcance do comércio eletrônico, de fato, mudará de patamar depois do coronavírus, observa Luciana Piedemonte, diretora da Kantar Brasil. Um indicativo é que os consumidores estão gostando. Segundo pesquisa da consultoria, quase metade dos que compraram on-line durante a pandemia consideraram a experiência mais positiva que no varejo tradicional.
Mas a especialista em varejo avalia que os canais tradicionais e on-line vão conviver, já que cada um oferece um tipo de experiência única. Ou seja: não é uma sentença de morte para as lojas físicas.
— Vai depender do engajamento que o produto exige. Talvez seja melhor comprar on-line algo recorrente. Mas será melhor comprar em uma loja algo que demande uma experiência no local. E o varejo físico vai entender que a internet pode ser um canal adicional, que não é ruim estar lá. Ruim é depender dela — diz.
Em artigo no Financial Times, a consultora de varejo Mary Portas, uma das mais influentes do Reino Unido, afirmou que a pandemia vai levar a uma espécie de seleção natural no varejo físico: “Grandes marcas sempre vão querer expressar seus poderes em três dimensões. Sempre haverá espaço para lojas físicas, mas elas terão que ser excepcionais.”
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Aumento de prazo e frete
O salto relâmpago do comércio eletrônico na pandemia tem efeitos colaterais na qualidade do serviço. O prazo médio de entrega já dobrou nas grandes capitais, e o “frete grátis” está cada vez mais raro, segundo dados inéditos da Abcomm, a associação do setor.
No Rio, o tempo médio para a chegada das encomendas subiu de seis para 12 dias, podendo chegar a 18 dias úteis em alguns casos. Embora os prazos variem de acordo com a companhia, a localização do cliente e o tipo de transportadora usada, o período médio aumentou em todo o país, segundo Mauricio Salvador, presidente da Abcomm.
Segundo levantamento da associação, o consumidor tinha antes do início da pandemia frete grátis em compras acima de R$ 351. Em 2017, esse patamar era de R$ 266. Para Salvador, as varejistas vinham aos poucos aumentando o preço do frete, mas a tendência se intensificou agora.
— A demanda está tão elevada que há muitas distribuidoras com fila de espera para transportar produtos de diversas companhias — diz.
Paralelamente, os comerciantes digitais estão aumentando investimentos em logísticas para lidar com o aumento de demanda. A chinesa AliExpress, que já tem o Brasil como um dos seus cinco maiores mercados, criou um sistema que reúne as compras feitas pelos usuários em diferentes empresas que vendem no seu portal. A ferramenta torna a logística mais eficiente, segundo Ken Huang, líder da companhia para a América Latina.
A Netshoes reforçou o monitoramento de qualidade para evitar que a expansão do marketplace afastasse clientes com experiências ruins, conta o diretor Mauro Lopez. A loja virtual também adiantou recebíveis para os parceiros para evitar estrangulamentos de estoque, por exemplo.
Fonte: “O Globo”