A crise econômica gerada pela pandemia de Covid-19 levou 8,9 milhões de brasileiros a perderem o emprego entre abril e junho deste ano, período mais crítico da doença, na comparação com os três primeiros meses do ano. Os números são da Pnad Contínua, divulgada nesta quinta-feira pelo IBGE.
Em apenas três meses, brasileiros começaram a sentir efeitos nunca antes vistos no mercado de trabalho, indicando o tamanho da crise gerada pela pandemia. A queda foi a maior na série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. No primeiro trimestre, 92,2 milhões de brasileiros estavam ocupados, contingente reduzido drasticamente para 83,3 milhões entre abril e junho.
Todos os setores da economia foram impactados pela perda de emprego, principalmente os mais sensíveis às políticas de distanciamento social, como o comércio. A perda no setor foi de 2,1 milhões de vagas. Na construção civil, foram 1,1 milhão a menos no período, por exemplo.
Apesar de disseminada, os dados indicam que a crise é maior para os mais pobres. Dos 8,9 milhões que perderam o emprego no período, 6 milhões eram informais, os mais vulneráveis – de cada 3 trabalhadores que deixou a ocupação, 2 estava no mercado de trabalho nessa condição.
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Houve até aumento de 4,6% da renda média, indicando que os profissionais menos qualificados sofrem mais os efeitos da crise, uma vez que os maiores salários estão sendo mais preservados.
— Além da queda ter sido muito grande, ela aconteceu num período muito curto. O impacto no mercado de trabalho foi muito grande — admitiu Adriana Beringuy, analista do IBGE que acompanha as estatísticas de emprego do país.
Economistas afirmam que o mercado de trabalho ainda está distante de viver seu pior momento. A perda do posto de trabalho é apenas a primeira parte de uma crise que irá se prolongar por anos, principalmente para os mais pobres.
Hoje, o auxílio emergencial e o seguro-desemprego, por exemplo, ajudam a segurar a procura por trabalho e a renda das famílias, em uma economia ainda fragilizada.
Com o fim da ajuda, uma melhora só acontecerá com um crescimento real da economia, muito além do “efeito reabertura” visto nos últimos meses.
— A economia não vai ter capacidade de alocar esse pessoal no mercado de trabalho. Será muita a procura e, dependendo da velocidade da recuperação, isso não será absorvido rapidamente — alerta Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas.
Os efeitos ainda não são sentidos por completo na taxa de desemprego, de 13,3% para o período. Mesmo sendo a maior registrada para um segundo trimestre da série histórica, ela está longe de dimensionar o estrago no mercado de trabalho.
Hoje, apenas 12,8 milhões de brasileiros estão oficialmente desempregados.Pela metodologia do IBGE, é considerado desempregado apenas quem efetivamente procura emprego e não acha.
No entanto, há potencial para que isso ultrapasse 20% nos próximos meses. São mais de 13,5 milhões na força potencial, formado por trabalhadores que não procuraram uma vaga, mas estavam disponíveis e gostariam de trabalhar.
À medida que o distanciamento social é flexibilizado, mais pessoas tendem a procurar emprego, mas não encontrarão pelo baixo dinamismo da economia. Com isso, o mercado de trabalho ficará mais pressionado. E com a única fonte de renda de muitas famílias ficando escassa, a tendência é que mais pessoas saiam de casa na tentativa de encontrar um emprego e sobreviver.
— A MP 936 contribuiu para que o tombo não fosse tão grande entre os formais, os informais estão recebendo o auxílio emergencial, sem muito incentivo para procurar emprego. A taxa não está alta por isso. Quando chegar no fim do ano, a atividade econômica aumentar, vai aumentar a taxa de desemprego e a população desocupada vai crescer — ressalta Rodolpho Tobler, economista da FGV/Ibre.
Pior ainda não passou
Membros da equipe econômica acompanham com atenção os dados de emprego. Caso não haja prorrogação do auxílio, previsto para ser pago até este mês, a taxa de desemprego deverá aumentar nos próximos meses. O quadro social, por sua vez, deverá ser agravado. Mais da metade da população em idade de trabalhar está sem ocupação.
Além disso, há dúvidas se os efeitos das políticas de preservação de emprego formal serão duradouros.
Dados da Pnad Covid, divulgados semanalmente pelo IBGE, mostram que a pandemia vem, cada vez mais, deixando de ser o principal motivo que as pessoas alegam para não ter procurado trabalho. A falta de trabalho na localidade, por sua vez, vem ganhando força.
Há até quem encontre, depois de muita dificuldade. Carlos André da Cruz, de 41 anos, já tinha feito o exame admissional para o novo emprego de cozinheiro, mas com o anúncio do fechamento dos estabelecimentos no início da pandemia em março, a contratação foi suspensa. De lá pra cá, o auxílio emergencial ajudou nas contas da família, enquanto procurava outra oportunidade de trabalho.
Na semana passada, Cruz conseguiu uma recolocação no mercado para trabalhar na cozinha de um hospital na Zona Oeste do Rio. Ele começa na próxima semana.
— A minha preocupação não era estar desempregado somente, mas olhar para o mercado de trabalho e não ver perspectiva. O meu medo era passar o período do auxílio e não ter onde recorrer. O trabalho de carteira assinada te dá segurança. Temos contas para pagar, filhos para sustentar e compromissos para honrar.
Números divulgados pela FGV mostram que ainda há incerteza dos empresários com relação afeta as perspectivas de emprego. Segundo Tobler, empregadores enfrentam dificuldade em vislumbrar uma retomada rápida da economia.
Somente no mercado formal foram eliminadas mais de 2,9 milhões de vagas em três meses. Hoje o país tem o menor contingente de pessoas com carteira desde 2012.
Oferta menor
Paulo Vasconcelos, coordenador do programa social de empregabilidade Gerando Vidas, no Rio de Janeiro, conta que a oferta de vagas caiu de cerca de 1400 para 400 a cada semana. Ele conta que os setores que mais anunciam são o da saúde e redes de supermercados.
— Esta semana anunciamos 30 vagas para auxiliar de serviços gerais e em dois dias tivemos 11 mil candidatos com perfil aplicando. Muitas pessoas procurando, mas poucas oportunidades surgem — ressalta.
Com menos vagas de qualidade na retomada, a saída será a informalidade, cujos rendimentos e proteção sociais são menores. Por isso, Marcela alerta: a alta no desemprego, junto com a queda na renda disponível da economia podem minar a recuperação da economia principalmente no quatro trimestre, quando espera-se que a economia esteja próxima da normalidade.
— Hoje ainda temos auxílio, uma população que fez poupança até mesmo forçada. Isso (o desemprego) vai ser impeditivo (para os setores avançarem) quando a economia começar a andar com as próprias pernas.
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Os números por trás do desemprego
12,8 milhões de desempregados
São os brasileiros que buscaram uma vaga na semana da pesquisa do IBGE, mas não encontraram. O número ficou estável na comparação com o primeiro trimestre deste ano, muito por conta da pandemia. As pessoas desistiram de procurar emprego.
13,5 milhões na força potencial
São pessoas que não procuraram uma vaga, mas estavam disponíveis e gostariam de trabalhar e pessoas que procuraram uma vaga mas, por algum motivo qualquer (por exemplo, cuidar de um parente doente), não estavam disponíveis para trabalhar na semana da pesquisa do IBGE. Um total de 5,3 milhões passaram a integrar esse grupo na pandemia.
31,9 milhões de subutilizados
A conta considera os trabalhadores desempregados, subocupados e a força de trabalho potencial. Um total de 4,3 milhões de brasileiros entraram nesse grupo na comparação com primeiro trimestre deste ano.
77,8 milhões fora da força de trabalho
São pessoas em idade ativa, ou seja, com mais de 14 anos, mas que não estavam trabalhando nem buscando emprego. Em momentos de crise, além de aumentar o desalento, costuma crescer também o número de pessoas fora da força de trabalho. Na pandemia, 10,5 milhões de pessoas entraram nesse grupo — recorde desde 2012.
52% da população em idade de trabalhar fora do mercado
É a parcela da população em idade de trabalhar (de 14 anos ou mais) que está inserida de alguma forma no mercado de trabalho. Significa dizer que 52,1% da população em idade ativa estavam sem trabalho.
Fonte: “O Globo”