O negócio Pão de Açúcar/Carrefour só para de pé com a entrada do BNDESpar como um importante acionista da nova empresa. Ora, por que um banco público deveria se associar a uma rede de supermercados?
Para impedir uma desnacionalização — foi a primeira resposta que ouvi de pessoas diretamente envolvidas no negócio. Explica-se: o Pão de Açúcar está praticamente vendido ao Casino, uma rede multinacional de origem francesa.
Há alguns anos, Abilio Diniz vendeu parte de sua rede ao Casino, que adquiriu também, no mesmo contrato, o direito de assumir o controle integral do Pão de Açúcar em 2012.
Se isso acontecer, tal é a argumentação, os três maiores supermercados atuantes no Brasil (o próprio Pão de Açúcar, atual número um, Carrefour e Walmart) estarão sob controle estrangeiro. E daí? Daí que varejo é estratégico para o país e não pode ficar assim, sempre segundo o argumento de fontes privadas brasileiras.
A tese não se sustenta. O setor tem uma estrutura interessante. Os três maiores faturaram no ano passado R$ 87 bilhões, isso representando 43% do total. Do quarto lugar para baixo, aparecem redes pequenas, regionais, em um mercado bastante pulverizado. Por outro lado, os três grandes competem ferozmente entre si — e essa competição seria muito reduzida com a fusão Pão de Açúcar/Carrefour. Ou seja, em nome de uma suposta desnacionalização se promoveria uma concentração. O que interessa mais ao consumidor e ao país?
Além disso, não haveria propriamente uma nacionalização do Carrefour, pois o supermercado resultante da fusão pertenceria meio a meio ao Carrefour francês e a uma holding chamada NPA (Novo Pão de Açúcar). Esta seria integrada por Abilio Diniz, BNDESpar, banco BTG Pactual e o Casino, aliás com a maior participação acionária individual. Assim, somando-se a participação dos dois grupos franceses, o capital estrangeiro seria majoritário no processo.
O controle, porém, estaria na holding NPA e, conforme regras estatutárias já incluídas nas propostas, nenhum acionista controlador teria mais que dois votos. Ou seja, Abilio Diniz, com apoio do BNDES, do BTG e de outros acionistas no mercado local, poderia manter o controle sobre o supermercado fundado por sua família.
Adicionalmente, esse NPA teria algo como 11% do Carrefour francês e pessoas, brasileiras, envolvidas na negociação asseguram que isso daria grande influência sobre a rede multinacional, cujo capital é bastante pulverizado. Ou seja, se tudo sair conforme os idealizadores do negócio, a sorte de Diniz muda completamente: se em 2012 ele poderia ficar sem supermercado, agora ficaria com um negócio ampliado aqui e lá fora.
Ou seja, o BNDES, com o suposto propósito de evitar uma desnacionalização, estaria de fato apoiando um empresário brasileiro que já havia vendido participação a empresa estrangeira e que pretende seguir na internacionalização. Difícil argumentação, não é mesmo? Talvez por isso mesmo o governo, por meio do BNDES e do ministro do Planejamento, Fernando Pimentel, tenha recorrido a outras justificativas. Fala-se da suposta internacionalização da companhia brasileira, mas a tese principal sustenta que o negócio poderia impulsionar as exportações brasileiras.
Como? A parte brasileira colocaria produtos nas lojas da rede internacional associada. Também não faz sentido. Primeiro, porque a parte brasileira não é grande fornecedora de produtos locais. Segundo, porque o comércio mundial de alimentos, principal ramo do supermercado, é muito regulamentado por governos e instituições internacionais. A União Europeia em geral e a França muito em particular impõem pesadas barreiras à entrada de alimentos brasileiros — e isso depende de negociações entre governos e no âmbito da Organização Mundial de Comércio, não de fusões entre empresas privadas. Além disso, o Pão de Açúcar já é sócio de uma rede internacional e não há notícia de significativo ganho nas exportações.
Por isso, talvez, uma pessoa participante das negociações me disse: a coisa é simples, o BNDESpar vai ganhar dinheiro; vai pagar 70 e tantos reais por ações que, pós-fusão, valerão mais de R$ 100.
Se tudo der certo, portanto, será um grande negócio. Ora, se é assim, por que os interessados não atraíram sócios privados? Será que não há no Brasil empresas e pessoas que possam juntar os R$ 4 bilhões que o BNDES vai colocar? Ocorre que a presença do governo brasileiro, via BNDES, dá aval à fusão e exerce pressão sobre a direção do Casino — a parte prejudicada da história.
Os brasileiros idealizadores do negócio dizem que o Casino vai ganhar. Em vez de ter “só” o Pão de Açúcar em 2012, terá essa rede mais o Carrefour brasileiro e uma participação no Carrefour francês, seu concorrente direto. Só que seria trocar um lucrativo Pão de Açúcar, sobre o qual terá controle total em 2012, por um negócio maior, mais difícil (o Carrefour brasileiro perdeu dinheiro) e no qual sua participação será menor, sem controle, e com a entrada do concorrente francês. A diretoria do Casino já se manifestou contra a fusão, considerando a proposta ilegal. Mas os brasileiros acham que, com apoio do governo, conseguem dobrar os acionistas.
A ver. Mas mesmo que tudo saia conforme os planos dos brasileiros, fica a questão: está certo o governo alinhar-se assim em um negócio privado? O BNDESpar não teria uso melhor para esses R$ 4 bilhões, como o de apoiar nascentes empresas de tecnologia, sempre carentes de capital?
Fonte: O Globo, 30/06/2011
Ou seja: na festa de suruba, nós entramos com o C*