Depois de várias especulações, a minuta de proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da previdência divulgada na semana passada pelo “Estadão/Broadcast” deu início a uma discussão mais concreta sobre a proposta do governo Bolsonaro. Embora seja uma versão preliminar, e ainda não tenha passado pelo crivo do presidente, o texto ofereceu elementos importantes para entender o plano da equipe econômica.
Em primeiro lugar, seu impacto estimado em 10 anos é superior a R$ 1 trilhão, acima da economia de cerca de R$ 800 bilhões obtida com a reforma original do governo Temer. Paulo Guedes já sinalizou que, mesmo que a proposta sofra modificações, pretende preservar este impacto fiscal. Esse compromisso é importante, já que a proposta certamente terá seu efeito diluído ao longo da tramitação no Congresso.
Outro ponto relevante é que a minuta de PEC incorpora mudanças que já haviam sido sugeridas em outras propostas, como a criação de idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. Caso não seja viável politicamente igualar a idade mínima de homens e mulheres, uma possibilidade seria fazer uma diferenciação no caso das mulheres com filhos, sendo computado 1 ano adicional de contribuição para cada filho, até o limite de 3, conforme sugerido na proposta coordenada por Paulo Tafner.
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Conforme antecipado por Paulo Guedes, a reforma vai além do ajuste paramétrico do regime de repartição, sendo proposto um sistema de capitalização para os novos trabalhadores. Também são propostas mudanças no valor das pensões por morte e restrições ao acúmulo de aposentadorias e pensões, além da desvinculação dos benefícios de prestação continuada em relação ao salário mínimo.
Mas o que me chamou mais atenção foi a reforma do regime previdenciário dos funcionários públicos, bem mais abrangente que a de Temer, estabelecendo critérios para seu equilíbrio atuarial, não somente no nível federal, mas também nos governos subnacionais. Em particular, os entes devem implementar planos de equacionamento do déficit atuarial, ficando autorizada a elevação da alíquota básica de contribuição e o aporte de ativos nos regimes próprios.
Segundo estimativas do consultor do Senado Pedro Nery, o déficit atuarial do setor público corresponde a cerca de R$ 7 trilhões, sendo R$ 1,5 trilhão da União e o restante de estados e municípios. Atualmente este déficit é coberto pelo Tesouro, mas a Constituição prevê que ele deve ser financiado pelos próprios servidores.
De fato, o artigo 40 da Constituição determina que os regimes próprios dos servidores devem observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Já o artigo 249 estabelece que, com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento das aposentadorias e pensões do setor público, a União, estados e municípios “poderão constituir fundos integrados pelos recursos provenientes de contribuições e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei que disporá sobre a natureza e a administração desses fundos.”
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Nesse sentido, Raul Velloso propôs em artigo apresentado no Fórum Nacional de setembro de 2017 (“Pacto da Previdência Solidária e Ajuste Fiscal”) a criação de fundos para gerir os recursos necessários para o pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores. Esta proposta for discutida neste espaço em fevereiro do ano passado e vale a pena revisitar seus pontos principais.
Esses fundos seriam de direito privado, para evitar que os gestores utilizem os recursos previdenciários para cobrir outras despesas, como já aconteceu em diversas ocasiões. O déficit atuarial deve ser coberto por contribuições suplementares tanto patronais quanto dos servidores, aposentados e pensionistas. A alíquota de contribuição seria variável por ente e eventualmente por Poder, de acordo com o tamanho do seu déficit, e seria ajustada anualmente, de acordo com avaliação atuarial.
As alíquotas de contribuição poderiam ser progressivas, aumentando de acordo com o nível salarial. Também poderiam variar em função do período de ingresso no setor público. Caso o ajuste necessário das contribuições seja considerado excessivo, o déficit atuarial deve ser coberto pelo aporte de ativos, como imóveis, ações de empresas estatais e securitização de dívida ativa.
A incorporação das linhas gerais dessa proposta na reforma de Bolsonaro tem o mérito de endereçar de frente o problema do gigantesco desequilíbrio atuarial da previdência da União, estados e municípios, forçando a adoção de medidas para seu equacionamento. Ela também distribui de forma mais justa os sacrifícios do ajuste, na medida em que os servidores que se beneficiaram de regras mais generosas de aposentadoria são chamados a dar contribuições mais elevadas.
Resta saber se essa e outras medidas centrais da reforma irão sobreviver ao cálculo do núcleo político do governo e ao processo de tramitação no Congresso.
Fonte: “Blog do IBRE”, 12/02/2019