*Deborah Palma
O Brasil atravessa uma crise que não é apenas econômica, institucional ou política, é, antes de tudo, uma crise formativa. A escola contemporânea produz gerações que dominam técnicas superficiais, mas carecem de conhecimento profundo; que aprendem a repetir slogans ideológicos, mas não a pensar; que falam sosbre direitos, mas raramente sobre deveres; que opinam sobre economia, mas não compreendem seus mecanismos fundamentais. Sem uma formação sólida que una virtude, intelecto, rigor moral e compreensão econômica, a liberdade deixa de ser exercício responsável e se torna apenas retórica vazia. As consequências desse vácuo educativo extrapolam o destino individual: moldam a fragilidade econômica, institucional e moral de todo um país.
A tradição da educação clássica que formou civilizações, líderes, pensadores, economistas e intelectuais por mais de dois milênios, entendia que educar significava cultivar o ser humano em sua totalidade. Desde a Antiguidade greco-romana, passando pela cristandade medieval e pelo humanismo renascentista, a educação clássica uniu três pilares fundamentais: a formação intelectual (gramática, lógica, retórica, filosofia, literatura, história), a formação moral (virtudes, caráter, autocontrole), e a formação cívica e econômica (responsabilidade, racionalidade, compreensão da ação humana). Essa tradição não separava mente, espírito e vida prática. Pelo contrário: reconhecia que uma sociedade livre e próspera só é possível quando cidadãos são educados para pensar, agir e deliberar com sabedoria.
Com o declínio dessa visão nos últimos séculos, substituída por modelos pedagógicos utilitaristas, ideológicos e tecnicistas rompeu-se o elo entre educação e civilização. No Brasil, essa ruptura foi agravada por um sistema educacional que nem sequer garante o básico: linguagem, lógica, história, cultura geral e inteligência econômica. O resultado é uma população vulnerável intelectualmente, emocionalmente e financeiramente. Muitos saem da escola incapazes de interpretar textos complexos, compreender princípios econômicos elementares ou desenvolver raciocínio lógico; saem também órfãos de referências morais, estéticas e culturais que moldam caráter e visão de mundo.
Essa lacuna formativa, entretanto, não surgiu por acaso. Ela se agravou com o avanço de uma doutrinação ideológica difusa dentro das instituições de ensino, que substitui a busca da verdade pela repetição mecânica de narrativas políticas. Em vez de ensinar filosofia, ensina militância; em vez de ensinar história, oferece versões distorcidas; em vez de ensinar economia, repete chavões estatistas; em vez de ensinar retórica, treina ativismo. O ambiente escolar e universitário, em muitos casos, tornou-se um instrumento de formação ideológica, e não intelectual. Esse desvio empobrece o aluno não apenas culturalmente, mas também moral e economicamente: quem não entende a realidade, não compreende as consequências de suas escolhas e torna-se presa fácil de narrativas que prometem tudo, mas entregam dependência, controle e fragilidade.
As repercussões desse déficit educativo tornam-se evidentes na economia brasileira. A ausência de literacia econômica (conhecimento sobre poupança, investimento, inflação, preços, risco, propriedade privada, custo de oportunidade) torna indivíduos suscetíveis ao endividamento, ao consumo impulsivo, à dependência estatal e às promessas fáceis de soluções intervencionistas. Em larga escala, essa ignorância contribui para baixa produtividade, baixo crescimento, pouca inovação e escassez de capital humano. Como afirmava Ludwig von Mises, a economia é a “ciência da ação humana”: sua compreensão exige razão, lógica e clareza conceitual, justamente as habilidades que a educação clássica desenvolvia, mas que a escola moderna muitas vezes abandona.
A praxeologia misesiana parte do axioma de que o homem age racionalmente para alcançar fins escolhidos. Para que essa visão faça sentido na sociedade, é necessário que o indivíduo seja formado para pensar, compreender incentivos, analisar consequências, respeitar a propriedade e valorizar a liberdade. Sem base ética, moral e intelectual, a defesa da liberdade econômica se torna incompreensível. A sociedade se entrega aos discursos populistas e de soluções centralizadoras que sufocam espontaneidade e criatividade, e que historicamente empobreceram países.
A educação clássica formava cidadãos capazes de cooperar, respeitar contratos, honrar compromissos, exercer autocontrole, agir com diligência, trabalhar com excelência, compreender o valor do esforço e da responsabilidade individual. Hoje, ao contrário, a fragilidade moral se reflete em corrupção generalizada, desrespeito às regras, informalidade predatória, instabilidade institucional e desconfiança, tudo o que desincentiva investimento, planejamento e crescimento.
Além disso, ao negligenciar o patrimônio intelectual da civilização ocidental, como a literatura, filosofia, artes, história, lógica, cristianismo e o humanismo, perde-se a base cultural que sustentou o progresso econômico por séculos. A crítica relativista que acusa a educação clássica de “eurocentrismo” desconsidera que o valor dos clássicos não está na cor da pele dos autores, mas na profundidade universal das ideias. Uma formação clássica autêntica não exclui contribuições africanas, orientais e cristãs; pelo contrário, reconhece e integra múltiplas tradições. O que ela rejeita é o reducionismo identitário, que subordina a verdade ao grupo, o mérito à narrativa e a razão à política.
A liberdade econômica, política e pessoal exige virtude e sabedoria. Sem autocontrole, sem responsabilidade, sem visão de futuro, sem cultura econômica, a liberdade degenera em caos ou se torna pretexto para controle estatal. A educação clássica compreendia isso. Ela sabia que formar o ser humano era mais importante do que treiná-lo para o mercado. Sabia que civilizações florescem quando a mente é educada, o caráter é moldado e a razão é iluminada. Sabia, sobretudo, que sem virtude não há liberdade e sem liberdade não há prosperidade.