Tenho falado bastante sobre a crise financeira dos entes subnacionais, onde é chocante como, no último mandato fechado (2015-2018) e ainda sem a desculpa da pandemia, o grupo estadual, isoladamente, acumulara um déficit “orçamentário” agregado (déficit total registrado nos balanços) de R$ 72 bilhões, algo inadmissível pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pela qual, na pior hipótese, o saldo acumulado em um mandato tem de zerar. Déficits acumulados nesses períodos de quatro anos são sinônimo de atrasados que se amontoam, gerando confusão e prejuízos para todos os lados, ou, na linguagem da área, “restos a pagar” expressivos que se acumulam. Ou seja, a novidade da LRF nesse particular foi que déficits podem ocorrer nos primeiros anos de um dado mandato, mas, no frigir dos ovos, saldos positivos têm de compensar os negativos. Tanto assim que alguns tribunais já avisaram aos atuais governadores que, em 2019-2022, tais desvios da lei não serão permitidos.
Acabo de discutir esse importante tema em mais um painel do Fórum Nacional, que hoje dirijo, com atores importantes desse agitado filme, como Guilherme Mercês, até recentemente secretário da Fazenda do Rio, que relatou um grande esforço que capitaneara para reduzir os vultosos restos a pagar herdados do mandato anterior, e com autoridades dos tribunais estaduais (veja em https://www.youtube.com/watch?v=PZWTjDyaG0o).
Nos municípios, a história é um pouco diferente, mas principalmente porque sua capacidade de se refinanciar com a União é bem menor. Assim, já têm de travar lutas frontais com os déficits potenciais logo no início dos mandatos. O que estourou há pouco de forma dramática nessa esfera foi a crise dos transportes urbanos, uma das principais responsabilidades dos municípios. No caso, o estouro se deu principalmente por conta da pandemia, que derrubou a demanda pelo serviço e exigiu mais espaço na ocupação dos veículos.
Tomando por base os dados da prefeitura do Rio de Janeiro, cujo caso andei estudando há algum tempo, os dados de 2016 mostram que os itens de maior peso no super-rígido gasto total são, pela ordem:
– Outros Custeios Obrigatórios (39%);
– Pessoal Ativo (30%);
– Inativos e Pensionistas (14%);
– Outros Custeios Discricionários (11%);
– Investimentos, o “primo pobre” (6%). Dentro do maior de todos os pedaços, o item 1, destaca-se o item Urbanismo, que engloba limpeza urbana, manutenção de logradouros e o citado transporte municipal.
Numa perspectiva de prazo mais longo, enquanto não se atacar a raiz do problema – a questão previdenciária –, a cada ano que passar os entes de maior peso – exatamente os mais atingidos pelo vendaval previdenciário – se verão diante de uma encruzilhada, pois a adoção da velha fórmula (ou seja, fazer quase nada) vai empurrá-los na direção de zerarem seus investimentos, algo que já vem acontecendo em vários entes, inclusive nos casos bem próximos da maioria dos leitores deste jornal – os da Prefeitura da capital e de alguns de seus municípios de maior peso.
Isso será obviamente um desastre, pois todos conhecem a importância dos investimentos – especialmente em infraestrutura – para o bom desempenho do setor público de qualquer país.
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O pior é que a queda dos investimentos não tem sido capaz de impedir a geração de altos déficits orçamentários totais. Ou seja, mesmo considerando o refinanciamento de parcela relevante de suas dívidas com a União em adição ao desinvestimento, que vem ocorrendo nas últimas décadas, as administrações enfrentam também aumentos pesados nas contas do “pessoal ativo” e das “outras despesas correntes”, além dos déficits previdenciários bem mais altos, para justificar tão pesada deterioração dos saldos totais, o que mostra que o problema é bem maior do que se pensa.
Concluo com um alerta sobre o novo caso específico que está explodindo nas prefeituras de maior dimensão, que é a crise do transporte urbano, em que a destinação de recursos para subsídios se tornou inevitável, conforme matérias em edições recentes de jornais pelo País afora.
Fonte: “Estadão”, 08/07/2021
Foto: Wilton Júnior/Estadão