A startup Qulture Rocks é a quarta empresa brasileira a realizar um feito invejável. O negócio foi aprovado no começo deste ano na Y Combinator, famosa aceleradora do Vale do Silício (Estados Unidos) que possui uma seleção ainda mais difícil do que a da Universidade de Harvard.
Como a startup conseguiu? Uma pista pode estar na escolha por resolver um problema marcante em vários países, inclusive no Brasil: a falta de feedback honesto e de acompanhamento real das metas empresariais.
“Todas as empresas de sucesso possuem preocupação com o fortalecimento de sua cultura e com a gestão do seu desempenho. Basta olhar para gigantes como a Netflix”, afirma Francisco de Mello, fundador da Qulture Rocks.
Com a aprovação na Y Combinator, o negócio conquistou um investimento de 400 mil reais e o acesso a uma rede de relacionamentos que inclui negócios como Airbnb e Dropbox. A aceleração mudou as metas da empresa para planos ainda mais ambiciosos: crescer seu faturamento em 200% em 2018.
Ideia de negócio e fim da burocracia em RH
Mello trabalhou no mercado financeiro desde que se formou na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Seu último emprego foi na área comercial do BTG Pactual, quando já sentia que o desejo de empreender falava mais alto.
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“Sentia vontade de fazer as coisas de um jeito diferente, com gestores diretos, desafios que realmente me ajudassem a crescer e reuniões de feedback mais profundas e legais. Juntei a vontade de empreender com o desejo de criar uma melhor gestão de pessoas.”
Porém, Mello não conhecia nada da área. O futuro empreendedor olhou para um modelo de gestão que admirava, o do grupo 3G Capital, e a partir daí estudou o que as empresas de Beto Sicupira, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann faziam de diferente quando se fala em gestão de pessoas.
Ao todo, foram quatro meses de pesquisa de negócio e mais de 50 executivos e ex-executivos da AB Inbev e Kraft Heinz entrevistados. Mello escreveu um livro e viveu desses rendimentos para criar um mínimo produto viável (MVP) da Qulture Rocks, em abril de 2015.
A empresa incorporou não apenas o modelo de gestão do 3G Capital, mas também das startups do Vale do Silício. Mello já havia investido em duas empresas de tecnologia, a Creditas e a Gympass, durante sua estadia no BTG Pactual.
“Esses dois posicionamentos deram um direcionamento ao nosso software, que mistura o que há de melhor no mundo estável e de manufatura [do 3G Capital] com o melhor no mundo ágil e centrado na experiência do funcionário [do Vale].”
Por meio da ferramenta de gestão da Qulture Rocks, tanto funcionários quanto gestores têm acesso a recursos como avaliações de desempenho, metas, programas de cultura empresarial e programação de reuniões entre líder e liderado.
Os clientes da startup possuem, em média, ciclos de gestão de desempenho que vão de três meses a um ano. No começo de cada ciclo, as empresas estabelecem uma série de expectativas de vendas, orçamento e objetivos de carreira de cada funcionário, por exemplo.
A Qulture Rocks é responsável por monitorar se a empresa está no caminho certo e reunir todas as avaliações. No fim, a startup faz uma análise e informa o que a empresa e seus membros atingiram.
As métricas estão disponíveis em uma versão desktop e em aplicativos para Android e iOS. Além de a empresa conseguir medir melhor seus resultados, os funcionários podem se livrar da burocracia comum aos processos de recursos humanos, afirma Mello.
“O empregado faz seus procedimentos de gestão de pessoas quando ele quiser, e não em uma reunião anual definida pela equipe de RH. Acreditamos que o feedback é muito mais efetivo se é recebido logo após certo comportamento, quando as atitudes ainda estão frescas na memória.”
A Qulture Rocks atende 60 clientes hoje, incluindo negócios como ContaAzul, Nubank e VivaReal. Como forma de monetização, a startup cobra uma licença mensal ou anual de acordo com o tamanho da empresa e o número de funcionalidades usadas pelo cliente. O ticket médio é de 30 mil reais por ano.
Ao todo, mais de 28 mil pessoas usam a ferramenta da Qulture Rocks. Mais de 300 avaliações formais foram feitas, enquanto 61 mil feedbacks informais foram gerados. “Temos como exemplo um estagiário que deu feedback ao CEO. Isso nunca aconteceria em uma companhia tradicional, e achamos isso incrível para a melhora da cultura empresarial”, afirma Mello.
Para o futuro, a startup pensa em focar na aquisição de grandes empresas como usuárias da ferramenta. “Apesar de começarmos com startups, estamos expandindo para áreas mais tradicionais. As empresas sabem que, sem investir em gestão de pessoas, será um grande problema continuar atraindo pessoas boas. Apostamos nessa consciência das grandes.”
Seleção para a Y Combinator
A Qulture Rocks teve um investimento inicial de 300 mil dólares (200 mil dólares de recursos próprios e 100 mil dólares de amigos e parentes).
No fim de 2017, a startup teve uma mentoria com Geoff Ralston, sócio da Y Combinator, no espaço de coworking Cubo Itaú. Ele convenceu Mello a preencher o formulário de inscrição para a aceleradora.
De 1 a 2% das startups que concorrem são de fato selecionadas para a Y Combinator – em Harvard, a taxa de aprovação é de 5%. Entre nomes conhecidos que passaram por lá, estão as empresas Airbnb e Dropbox.
Mello teve viagem paga para fazer uma entrevista presencial na Y Combinator, localizada no Vale do Silício. “Para mim, era um sonho só ter feito uma entrevista lá. No mesmo dia soube que a startup tinha sido aprovada e nossa vida virou de cabeça para baixo.”
O negócio foi acelerado de janeiro a março deste ano e recebeu um investimento de 121 mil dólares, ou 400 mil reais. Mas, para o empreendedor, o dinheiro não foi o principal. “Poderíamos ter levantado mais dinheiro, com um valuation melhor, com outros investidores. Os benefícios da Y Combinator são desde o selo que estar na aceleradora dá até conviver com os melhores empreendedores do mundo.”
A Qulture Rocks, por exemplo, tem acesso a uma rede social interna da Y Combinator, incluindo os empreendedores do Airbnb e do Dropbox. “A rede nos dá acesso a quase qualquer pessoa do mundo para resolver quase qualquer problema que tivermos. São relacionamentos que carregamos para o resto de vida.”
Como resultado da aceleração, a Qulture Rocks está repaginando o visual de sua ferramenta e integrando-a com aplicativos de comunicação que seus clientes usam, como o Slack.
A startup havia atingido seu ponto de equilíbrio entre receitas e despesas até ter sido investida pela Y Combinator. “Optamos por desequilibrar justamente para ter um produto e uma equipe melhores. Mesmo assim, estamos novamente próximos do break even.”
O negócio não divulga números absolutos de faturamento, mas diz crescer em média 20% ao mês e esperar aumentar seu faturamento em 200% para 2018, na comparação com o ano anterior. As metas, diz Mello, foram fruto da aceleração na Y Combinator – e ele não esperaria nada menos de uma aceleradora mais exigente que Harvard.
Fonte: “Exame”