Esta semana foi intensa no que diz respeito ao debate sobre proteção social no Brasil, com o anúncio por parte do presidente Bolsonaro de que o governo não vai mais apresentar a proposta do Renda Brasil. Não se sabe se haverá alguma mudança a esse respeito, mas por enquanto o que temos por parte do governo é a extensão do Auxílio Emergencial até dezembro, com redução do valor do benefício para R$ 300 mensais.
Permanece, contudo, o problema da ausência de mecanismos de proteção social para os informais. Uma proposta do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) apresentada esta semana, para a qual tive o prazer de contribuir (em colaboração com Vinicius Botelho, Marcos Mendes, Anaely Machado e Ana Paula Berçot), procura preencher esta lacuna. O material está disponível aqui.
O Programa de Responsabilidade Social consiste em uma proposta de aprimoramento da rede de proteção social brasileira, respeitando a necessidade de equilíbrio das contas públicas. Seus objetivos são eliminar a pobreza extrema imediatamente, emancipar as famílias vulneráveis da condição de pobreza e proteger os trabalhadores informais da volatilidade de sua renda.
Neste artigo vou me concentrar no tema da proteção aos informais. Enquanto a parcela mais pobre da população conta com a cobertura de programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, e trabalhadores com carteira assinada têm acesso à proteção oferecida pela legislação trabalhista, os trabalhadores informais são extremamente vulneráveis a situações em que ocorre uma perda abrupta de renda, como evidenciado pela pandemia da Covid-19.
A questão que então se coloca é como oferecer proteção social aos informais.
O sistema tradicional de seguridade social, fundamentado em um modelo em que empresas e trabalhadores contribuem para a aposentadoria e a cobertura de outros riscos, como doença e perda do emprego, foi construído com base na suposição de relações de trabalho estáveis e de longa duração. A ideia subjacente era de que, ao longo do processo de transformação estrutural, os trabalhadores se deslocariam do setor agrícola para o setor formal da indústria e do setor de serviços e seriam, portanto, incluídos progressivamente no sistema de seguridade social.
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Outro componente desse modelo foi a premissa de que as empresas estariam mais capacitadas a oferecer essa proteção que o governo, na medida em que dispunham de informações detalhadas sobre a renda dos trabalhadores.
Este modelo foi largamente adotado não somente em países desenvolvidos, mas também em países em desenvolvimento. No entanto, mesmo em economias avançadas ele tem se mostrado insatisfatório para lidar com os desafios impostos pelas novas tecnologias. Também houve o surgimento de modalidades mais flexíveis de contratação com o surgimento da “economia dos aplicativos” (gig economy).
Em países em desenvolvimento, por sua vez, este modelo de seguridade social nunca atingiu seus objetivos. Diferentemente dos países desenvolvidos, os segmentos formais da indústria e do setor de serviços não absorveram uma grande parcela da população, que permaneceu na informalidade.
Além disso, políticas de formalização têm apresentado resultados abaixo das expectativas. Uma dessas políticas, que se encontra em discussão no momento no Brasil, é a desoneração da folha de pagamentos.
Como já tive a oportunidade de discutir neste espaço, existe uma grande heterogeneidade de resultados na experiência internacional, variando desde estudos que encontram efeitos positivos sobre o emprego (caso da Colômbia) a pesquisas que mostram impacto nulo (experiência do Chile).
As evidências para o Brasil não são favoráveis. Avaliações da política de desoneração da folha de salários introduzida em 2011 indicam que seus efeitos sobre a geração de emprego foram modestos e que o custo de cada posto de trabalho criado foi bastante elevado.
Outro caminho tentado sem muito sucesso foi a formalização de microeemprededores. Pesquisa recente de Rocha, Ulyssea e Rachter mostra que, embora seja positivo, o efeito do MEI sobre a formalização é pequeno e concentrado nos empreendedores de faturamento mais alto. Uma análise de custo-benefício revela que o efeito líquido do programa sobre a arrecadação de impostos é negativo.
As mudanças estruturais no mercado de trabalho, com a expansão da “economia dos aplicativos”, tendem a reduzir ainda mais a eficácia da estratégia de prover proteção social por meio da formalização dos contratos de trabalho no modelo tradicional. Isso evidencia a necessidade de criar formas de proteção para os trabalhadores que não dependam da natureza do vínculo empregatício.
Nesse sentido, parece ser mais viável e eficaz encaixar a proteção dos informais nas políticas de assistência social sob a forma de um seguro diante de flutuações na renda.
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Com esta finalidade, o Programa de Responsabilidade Social propõe a criação do Seguro Família, que consiste em um depósito mensal por parte do governo equivalente a 15% do rendimento do trabalho (sujeito a um teto) e aplicado em títulos do Tesouro. Os depósitos poderiam ser sacados em caso de morte dos provedores de renda da família, calamidades, período de defeso (para os pescadores) e queda do rendimento declarado no Cadastro Único, neste último caso limitado a dois saques por ano. Seriam cobertas 12,5 milhões de famílias.
O Seguro Família oferece cobertura tanto a trabalhadores formais como informais. A neutralidade em relação ao tipo de contrato de trabalho é importante para evitar que o programa gere incentivos à informalidade.
Nossa avaliação é de que o Seguro Família pode oferecer uma proteção aos informais e trabalhadores de baixa renda em geral, que é ao mesmo tempo efetiva e compatível com a delicada situação fiscal em que o país se encontra.
Fonte: “Agência Estado”, 18/9/2020
Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil