Instituição é o melhor caminho para mobilizar e alocar recursos a custos adequados.
As evidências sobre o aquecimento global começaram a ser consolidadas em 1971 no primeiro evento internacional sobre o tema, em Estocolmo: “Study of man’s impact on climate”. Vinte anos depois, a ONU montou o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC). Decisão que saiu de um grande conclave cujo título enfatizava “as implicações das mudanças atmosféricas para a segurança global” (Toronto, 1988).
Quatro anos depois foram adotados no Rio os fundamentos do complexo processo institucional posterior: a Convenção do Clima. Ainda outros cinco anos se passaram até que fosse assinado o autista Protocolo de Kyoto, em 1997. Mais oito para que ele pudesse entrar em vigor, em 2005, com a ratificação da Rússia. Pior: as posteriores conferências das partes foram paupérrimas em decisões que efetivamente contribuíssem para a descarbonização.
A rigor, há um único precedente histórico que ajuda a encarar com otimismo tanta morosidade na busca de solução que encurte a agonia da era fóssil e acelere a passagem à economia de baixo carbono: o processo que pôs fim à escravidão. Se não houver guerra nuclear, cujas consequências são absolutamente imprevisíveis, com certeza as emissões de gases de efeito estufa serão minimizadas no século 21 em circunstâncias sociais e políticas comparáveis às da emancipação dos escravos no século 19.
São duas feridas essencialmente éticas, cuja lentidão das cicatrizações se deve a inércias culturais só superáveis por obra de oportunismos econômicos capazes de engendrar rupturas políticas tão corajosas quanto traumáticas. Por isso, é aconselhável aos que se empenham contra o aquecimento global que revisitem a história dos movimentos sociais pela libertação dos escravos, dando particular atenção às razões de suas derrotas e sucessos parciais durante o meio século que precedeu as abolições, só desencadeadas em 1833 pelo império britânico.
Os pioneiros do abolicionismo, principalmente “quakers” ingleses, sabiam que a tarefa que tinham se proposto parecia impossível. Praticamente todos os britânicos, de peões a bispos, aceitavam a escravidão como algo inteiramente normal. Afinal, viviam num país em que os lucros das plantações das Índias Ocidentais estavam no coração do sistema econômico, como ocorre hoje com os lucros do petróleo e do carvão. As taxas alfandegárias sobre o açúcar cultivado pelos escravos constituíam imensa fonte de renda para o governo e a vida de centenas de milhares de marinheiros, mercadores e construtores de navios dependia do tráfico de escravos. Comércio cuja expansão na segunda metade do século 18 tornara prósperos diversos portos britânicos, inclusive o de Londres.
Em tais circunstâncias, como levar a opinião pública a pressionar o parlamento, se nem tinham direito a voto todas as mulheres e 95% dos homens? Manchester já era a segunda maior cidade do país, mas não tinha sequer um representante na Câmara dos Comuns, enquanto uma quase desabitada colina (Old Sarum) contava com dois. Enfim, chega a ser inacreditável que os abolicionistas tenham conseguido a proibição do tráfico apenas 20 anos depois de sua primeira reunião. E com mais 30 anos o fim da própria escravidão.
Foi decisiva nesse processo a contribuição de James Stephen, um dos principais advogados marítimos do império. Sua experiência no mundo do comércio internacional lhe deu a ferramenta crucial para a luta em favor da abolição. Sua grande aversão ao escravismo foi cuidadosamente mantida em segredo, e seus argumentos eram práticos e impecavelmente patrióticos. Atraiu, de forma sub-reptícia, o apoio de um poderosíssimo lobby com o projeto de que também os navios com bandeiras neutras se tornassem atacáveis. Sob o sistema de “recompensa”, tanto militares da marinha como tripulações de navios particulares tinham o direito de compartilhar o valor dos navios e das cargas que capturassem. Essa era a maneira com que os oficiais sonhavam ficar ricos e seus marinheiros imaginavam poder complementar seus magros vencimentos. Com grande habilidade, Stephen evitava se referir à natureza da carga que quase todos esses navios carregavam: escravos.
Muitos outros episódios desse tipo estão minuciosamente descritos no empolgante livro do jornalista Adam Hochschild: “Enterrem as correntes; profetas e rebeldes na luta pela libertação dos escravos (Record, 2007). Todos reforçam a hipótese de que o processo de transição ao baixo carbono só receberá um decisivo empurrão quando deputados e senadores do congresso dos Estados Unidos forem convencidos por argumentos práticos e patrióticos a mudar radicalmente a atual estratégia de segurança energética baseada no petróleo e no carvão, mesmo que a peça legislativa nem mencione a ruptura climática. Seria o término da já longa agonia da era fóssil, mesmo que ainda fossem necessários alguns anos para que ela se tornasse global. Sem um fato dessa natureza, nada de realmente importante poderá resultar das negociações multilaterais.
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