O anúncio da aquisição da Somos Educação, dona do Colégio pH e da Anglo Vestibulares, pela Kroton Educacional, maior grupo de ensino privado do país, deu ontem uma medida do crescimento do interesse de investidores pelo segmento de educação básica no Brasil. O negócio de R$ 4,56 bilhões pode chegar a R$ 6,2 bilhões se alcançar a compra de todas as ações da empresa e for aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). É apenas mais um movimento da atual onda de fusões e aquisições no segmento que engloba educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, mercado que movimentou cerca de R$ 100 bilhões em 2017, segundo a Hoper Educação. É quase o dobro da receita do ensino superior no país, que alcançou R$ 55 bilhões no ano passado. Do total, entre R$ 60 bilhões e R$ 64 bilhões, segundo estimativas preliminares da consultoria, referem-se apenas a mensalidades escolares.
A consolidação no ensino básico começou antes ainda do auge das fusões e aquisições no ensino superior — que esfriou após a recessão no país e o corte no Fies — e volta com fôlego. O interesse dos investidores se explica em três motivos principais: universo de alunos equivalente a seis vezes o da educação superior; ciclo de estudos mais longo (de 12 anos ou até 15, incluindo a educação infantil); e grande pulverização de escolas. Na prática, isso se traduz em oportunidade para compras e expansões, avaliam especialistas e empresários.
— Mais de cinco anos atrás, já se sabia que a educação básica seria “a bola da vez”. Mas o processo de investimento foi atropelado pelo aquecimento das operações no ensino superior. Com o revés nesse segmento, grupos de educação superior buscaram uma saída. E agora abrem os braços para a educação básica — explica Paulo Presse, coordenador de Estudos de Mercado da Hoper Educação.
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O aquecimento nas operações no segmento chama a atenção. A Escola Eleva, por exemplo, marca premium da Eleva Educação, abre em 2019 na Barra da Tijuca — no terreno onde funcionou o parque Terra Encantada — sua segunda unidade no Rio. Antes de comprar a Somos, a Kroton anunciou no início deste mês a criação da Saber, seu braço para educação básica, junto com a primeira de até três aquisições de colégios previstas para este ano: a do Centro Educacional Leonardo da Vinci, em Vitória.
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O Grupo SEB já lista duas transações fechadas em 2018, adicionando à sua carteira o Colégio e Vestibular A a Z, no Rio, e o Colégio Visão, de Goiânia. A própria Somos Educação, antiga Abril Educação, vinha crescendo por meio de aquisições. A Bahema, de participações na área de educação, já conversou com uma centena de escolas do país. Tem uma fatia da Escola Parque, no Rio, da Escola da Vila, em São Paulo, que conta ainda com um centro de formação de professores, além da Balão Vermelho/Mangabeiras. Este mês anunciou um acordo com a também paulistana Escola Viva, que prevê empréstimo, consultoria e opção de compra futura.
A oportunidade é grande, avalia Presse, mas não gigantesca, já que mais de 80% das matrículas na educação básica estão na rede pública. Segundo censos do Ministério da Educação, a educação básica totalizava 186 mil escolas no país, sendo 40 mil na rede privada. Ao todo, eram 48,8 milhões de matrículas, com 8,9 milhões deles em escolas particulares. No ensino superior, a situação é inversa: são oito milhões de estudantes, com 75% na rede privada. No total, são 2.407 instituições de ensino, sendo 2.110 particulares.
— Ter o ensino médio facilita a conversão (de estudantes) para o ensino superior do mesmo grupo. Além disso, a evasão da classe média para o ensino público ou para escolas de mensalidade mais barata nos últimos anos vai se reverter. O mercado deve reaquecer em três a quatro anos. E já há empresas se planejando para isso — prevê o consultor.
A carioca Estácio, por exemplo, estreou no ensino médio este ano, com a abertura de turmas em sete unidades no Rio. O projeto oferece a opção de fazer também um curso técnico profissionalizante, apostando em mensalidades acessíveis. No mês passado, o grupo anunciou um projeto-piloto de cursos gratuitos de alfabetização e letramento de jovens e adultos com mais de 15 anos de idade. A partir disso, em 2019, iniciará a venda de um sistema de ensino voltado para esse segmento, sobretudo para o setor produtivo.
Está aí outro atrativo do ensino básico, a diversidade de frentes de atuação — e receita — que o setor oferece: unidades próprias; gestão de escolas parceiras e oferta de sistemas de ensino e soluções de aprendizado; plataformas digitais; cursos diversos, como os de idiomas; formação profissional para professores e venda de livros didáticos.
— Trata-se de um mercado ainda muito pulverizado e rentável. O segmento premium garante mensalidades de preço mais alto, já as escolas de maior porte, nas praças centrais, são interessantes pela escala. Para empresas dispostas a fazer aquisições, o mais interessante é buscar um ativo já consolidado no mercado — avalia Felipe Silveira, analista da Coinvalores.
+ “Avanços na qualidade de educação”
É a cartilha seguida pela Kroton. Sua subsidiária Saber foi criada para avaliar oportunidades e reunir os negócios do grupo na educação básica, já com mais de 220 mil alunos em 672 escolas associadas.
— O ensino superior está consolidado e não demanda mais tanta expansão. A educação básica privada tem muitas oportunidades na gestão de escolas. Existe uma pulverização grande, um setor de empresas familiares, que pode ganhar com a profissionalização. Nosso foco é consolidar as melhores escolas, impulsionando o crescimento dessas marcas com a criação de três a cinco novas unidades de cada uma — diz Mario Ghio, vice-presidente acadêmico e de Educação Básica da Saber.
Em escolas, o foco mais forte está no segmento premium, que equivale a aproximadamente 30% da rede privada no país, segundo a Hoper. A Kroton, por exemplo, busca escolas consolidadas e com mensalidades acima de R$ 2 mil.
NEGOCIAÇÕES EM CURSO NO RIO E EM NITERÓI
Outra alternativa é investir em receitas além da mensalidade. A Somos Educação, por exemplo, tem 65% de seu faturamento vindos de soluções educacionais, como sistemas de ensino (as antigas apostilas) de marcas como Anglo e pH, livros didáticos de editoras como Ática e Saraiva, e plataformas como a Stoodi, adquirida no fim de 2017, espécie de cursinho digital para estudantes do ensino médio por assinatura.
— Nos últimos três anos, fizemos um investimento brutal em digitalização. A ideia é avançar de forma integrada, para oferecer aos nossos parceiros uma variedade de opções em soluções para a educação que possam compor o pacote que melhor atendê-los — explica Fernando Shayer, presidente da Somos.
De 2015 para cá, a Somos saltou de 11 para 42 escolas próprias. Shayer afirma que o foco em expansão continua, avaliando haver perto de 1.500 escolas privadas no país que podem ser alvo de aquisição ou parceria na educação básica.
A Somos alcança 998 mil alunos em 2.779 escolas parcerias. A rede própria vai bater 35 mil alunos com novos contratos em fase de finalização. Com isso, a companhia foi alvo de ofertas. A empresa se dizia aberta a negociar, embora não procurasse um comprador, frisando que seu controlador, a gestora Tarpon atuava com foco no longo prazo. Acabou se rendendo à Kroton.
Outro em expansão é o SEB, que tem 45 mil alunos distribuídos em 38 escolas de diferentes marcas, como Pueri Domus e Concept, além da franquia Maple Bear, de escolas bilíngues, e a Conexia, de soluções para educação. Em janeiro, comprou o Colégio e Vestibular de A a Z, no Rio, negócio avaliado pelo mercado em cerca de R$ 45 milhões. Este mês, levou o Colégio Visão, de Goiânia, numa transação de perto de R$ 30 milhões, segundo especialistas.
— Temos duas negociações para aquisições em curso, uma delas no Rio. Também buscamos espaços na cidade e em Niterói para expansão do A a Z, além de oportunidades para instalar uma filial da Concept ou do Pueri Domus no mercado carioca — diz o empresário Chaim Zaher, fundador do SEB e que foi acionista da Estácio.
Fonte: “O Globo”