A nova rodada de concessões e privatizações preparada pelo governo deve ajudar a impulsionar os investimentos no Brasil, mas o país precisa passar por reformas no sistema financeiro e melhorar o ambiente de negócios. A avaliação é do chefe para o Brasil do Departamento de Economia da OCDE, Jens Arnold. O economista apresentou nesta segunda-feira detalhes do relatório da entidade sobre a economia brasileira, lançado em fevereiro. A taxa de investimento brasileira, que fechou 2017 em 15,6% do PIB, é a quarta menor de um ranking com 49 países elaborado pelo organismo. Em entrevista ao GLOBO, Arnold avaliou as perspectivas para o que é considerado por especialistas o principal motor para um crescimento sustentável.
O governo anuncia novas concessões e privatizações nesta segunda-feira. Essa medida pode impulsionar os investimentos em infraestrutura no país?
Nosso relatório mostra que o Brasil tem muito espaço para melhorar investimentos em infraestrtuura. Visto a situação fiscal no momento, um dos mais importantes caminhos é o investimento privado. E as concessões são uma maneira de conseguir isso. Não a única, mas um instrumento que tem funcionado relativamente bem no Brasil, com o qual o país já tem experiência há vários anos.
O que pode melhorar no modelo?
Há espaço para melhorar a estruturação dessas concessões. Se perdeu um pouco a capacidade do setor público para estruturar esses projetos. Mas é uma coisa que certamente vai fazer parte dos instrumentos no futuro. Além disso, pode haver outros instrumentos. Parcerias público-privadas são possibilidades. Têm funcionado em vários países da OCDE.
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O relatório cita várias recomendações para impulsionar investimentos. Qual é mais importante?
Para o setor privado investir, tem que ter o retorno ao investimento, que está reduzido por questões que não ajudam no clima de negócios. Mencionei (a complexidade do) ICMS, custo de cumprimento de impostos, sistema jurídico… Ao mesmo tempo, uma vez que você tem o retorno ao investimento, tem que ter como investir, é preciso ter uma fonte de financiamento. No Brasil, a única fonte de investimento de longo prazo é o BNDES. E todo mundo sabe que a capacidade do BNDES no futuro não vai ser suficiente para cobrir toda a necessidade de investimento. Uma reforma do sistema financeiro vai ser importante. Foi dado um primeiro passo crucial para isso que foi a instituição da TLP, que vai ter um impacto muito grande nos próximos anos. Finalmente o terceiro ponto: tem que encontrar maneiras de realocar os recursos às empresas mais eficientes. Todas as economias de mercado têm um constante mecanismo de realocação onde empresas que não são muito fortes que tenham desempenho menos produtivo saem dos mercados, outros entram e as empresas mais produtivas vão ganhar espaço no mercado à custa de outras que estão saindo. Tudo isso leva a um aumento da produtividade no agregado.
Como o investimento trava o crescimento?
Trava muito. No passado, o Brasil se beneficiou muito do bônus demográfico (crescimento mais forte da população em idade de trabalhar). E esse bônus demográfico, todo mundo sabe, não vai estar lá no futuro. O Brasil tem que buscar outras fontes de crescimento. Crescer aumentando a força laboral foi coisa do passado. É preciso aumentar o estoque de capital ou aumentar a produtividade. Por lógica, são essas duas áreas que vão ser mais importantes do futuro.
Estamos saindo bem lentamente da recessão. O que falta para um crescimento mais consistente?
Nosso relatório mostra o possível impacto que poderia ter reformas mais ambiciosas. Seria um efeito de 1,4% de crescimento a mais a cada ano durante dez anos. Isso faz a diferença entre o Brasil crescer a um ritmo de 2% ou a um ritmo de 3,4%. Agora, isso não vai ter efeito imediato.
Dados do Banco Central divulgados hoje mostram que a economia recuou 0,5% em janeiro. Essas variações conjunturais preocupam a OCDE?
(As questões do relatório) são mais estruturais. Acho que o efeito não vai ser um mês para outro. Aqui, estamos falando do desempenho do Brasil para os próximos dez anos. Para o Brasil manter um crescimento forte, que foi uma base importante de melhoria de distribuição de renda e (crescimento da) nova classe média, o país precisa desse tipo de reformas.
Fonte: “O Globo”