O ponto mais polêmico do Projeto de Lei (Pl) 4.330, que regulamenta a terceirização, pode tomar outro rumo no Senado, para onde foi encaminhado. Nesta quinta-feira, um dia após a aprovação na Câmara dos Deputados, o PL foi criticado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Casa:
— Não vamos ter muita pressa porque já existem no Brasil 12 milhões de trabalhadores terceirizados. Ter pressa significa regulamentar a atividade-fim e isso é um retrocesso, é uma “pedalada” no direito do trabalhador.
A extensão da terceirização para todos os trabalhadores — e não só para aqueles que exercem atividades-meio (acessórias) numa empresa, como era até agora — também foi condenada pelo ministro do Trabalho, Manoel Dias:
— Esperamos que o Senado venha a corrigir, especialmente na questão da atividade-fim, que pode causar quarteirização (quando terceirizadas contratam outras empresas).
Se, por um lado, há motivos para comemorar — o projeto estabeleceu, por exemplo, regras visando à garantia de pagamento de direitos trabalhistas e estendeu benefícios de empregados próprios para os terceirizados —, por outro elevou-se o risco da substituição gradativa de funcionários diretos por terceirizados, na opinião do advogado Elio Colombo Júnior:
— Talvez as terceirizações “explodam”. Isso pode trazer uma precarização das relações de trabalho. Mas houve algumas emendas feitas pelos parlamentares que trouxeram inovações, como a responsabilidade solidária, que dá mais segurança para o trabalhador.
O especialista ressalva que a emenda que retirou do texto a necessidade de a contratante atender aos acordos e convenções coletivas de trabalho firmados pelo sindicato, quando este for o mesmo dos empregados da contratada, pode motivar ações na Justiça.
— Se o sindicato da categoria diz (por acordo ou convenção coletiva) que o vale-refeição é R$ 20, a contratante terá que cumprir. Caso contrário, é supressão de direito — disse.
Avaliações de especialistas:
Paulo Sergio João – Advogado e professor da FGV Law e da PUC-SP:
“O que importa na terceirização é que a atividade do prestador de serviços não esteja subordinada ao tomador (contratante), o que já era entendido pela jurisprudência (decisões da Justiça). A lei impede que a empresa terceirize um setor e tenha seus próprios empregados como gestores dos serviços. Ela restringe que o trabalhador crie uma empresa para desenvolver aquela prestação de serviço. Mas, se a empresa conseguir sobreviver 12 meses com outro prestador (tendo demitido o funcionário), passado esse período, aí, sim, pode recontratar o anterior”.
Danilo Pieri Pereira – Especialista em Direito e Processo do Trabalho e sócio do Baraldi Mélega Advogados:
“Na prática, havendo subordinação entre o trabalhador e a empresa, ele será considerado empregado direto dela, pouco importando se foi contratado no papel como pessoa jurídica, cooperativa ou qualquer outra modalidade. Nesse particular, o PL 4.330 não altera em nada o disposto pelos artigos 3º e 9º da CLT, que dispõem que o trabalho pessoal, habitual, remunerado e subordinado resulta em contrato de emprego direto, sendo nulos de pleno direito (ou seja, não têm validade) os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar tais preceitos”.
Contribuição ameaçada
Um dos impactos mais significativos da permissão da terceirização para praticamente todas as atividades — apenas domésticos, guardas de portos e servidores públicos e funcionários de empresas de economia mista que desempenham atividades principais estão de fora — é a provável diminuição na arrecadação do INSS e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Jane Berwanger, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), afirma que dois fatores podem contribuir para a redução:
— Tem esse aspecto da queda, por causa dos salários menores (em média, a remuneração dos terceirizados é quase 30% menor que a do trabalhador direto), mas também um histórico no Brasil, que não é positivo: as empresas terceirizadas, muitas vezes, deixam de recolher as contribuições.
Berwanger destaca, ainda, que a formalização de trabalhadores não seria automática, como dizem os defensores do projeto de lei.
— Na construção de um prédio, por exemplo, se a empresa não recolheu (os impostos) durante a obra, pode recolher no final. Mas isso não significa que os trabalhadores terão o seu direito reconhecido. Às vezes, o trabalhador nem existe. É uma fraude que pode aumentar com a terceirização (irrestrita).
Como ficam dez pontos polêmicos da terceirização:
O que pode ser terceirizado?
– Atualmente: Somente as atividades-meio da contratante.
– Com o Projeto de Lei (PL): Todos os setores, inclusive as atividades-fim, ou seja, as que representam a função principal da empresa contratante.
Quais são os únicos profissionais que não podem ser terceirizados?
– Atualmente: Os profissionais que desempenham as atividades-fim das empresas contratantes.
– Com o PL: Empregadas domésticas e guardas portuárias vinculadas à administração dos portos, além de servidores que desempenham atividades-fim em empresas públicas e de economia mista.
Como ocorre a filiação sindical?
– Atualmente: É livre, mas a Justiça do Trabalho tem reconhecido, nos casos em que a terceirização é considerada irregular ou ilegal, a submissão do contrato de trabalho a acordos e convenções coletivas com o sindicato da atividade preponderante da contratante.
– Com o PL: Os terceirizados poderão se filiar ao mesmo sindicato da contratante apenas se ambas as empresas pertencerem à mesma categoria econômica (mesmo ramo de atuação). Porém, não será obrigatório observar os respectivos acordos e convenções coletivas de trabalho.
Quem pode terceirizar?
– Atualmente: Não havia regulamentação.
– Com o PL: Empresas privadas, produtor rural pessoa física e profissionais liberais. No caso das empresas públicas e de economia mista, apenas as atividades-meio podem continuar a ser terceirizadas.
Quem pode atuar como empresa terceirizada?
– Atualmente: Não havia regulamentação.
– Com o PL: Pessoas jurídicas, associações, sociedades, fundações, empresas individuais (MEI), cooperativas e entidades filantrópicas.
Quais os benefícios dos empregados da contratante que são extensivos aos trabalhadores terceirizados?
– Atualmente: Não havia regulamentação.
– Com o PL: As empresas contratantes são obrigadas a proporcionar aos trabalhadores terceirizados benefícios como atendimento médico, ambulatorial, de transporte e de refeição, existentens nas dependências da companhia ou no local por ela designado.
Se o empregado terceirizado tiver problemas com o cumprimento dos direitos trabalhalistas, quem ele aciona na Justiça?
– Atualmente: Primeiro a empresa contratada. Só depois de esgotados todos os recursos na Justiça, a empresa contratante também poderia responder.
– Com o PL: Com a responsabilidade solidária da contratante, tanto ela quanto a empresa contratada podem ser processadas, simultaneamente ou separadamente.
E se houver troca de empresa terceirizada?
– Atualmente: Não havia regulamentação.
– Com o PL: Quando ocorrer a troca da empresa prestadora por outra e forem mantidos os mesmos empregados da empresa anterior, o salário e os demais direitos previstos no contrato anterior deverão ser mantidos. Se o fim do contrato coincidir com o fim do período anual de aquisição de férias, os trabalhadores terão de tirá-las nos últimos seis meses desse período. Isso configura uma exceção à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que não permite isso.
E como fica a contribuição ao INSS por parte das empresas?
– Atualmente: O recolhimento é de 11% sobre o faturamento, para empresas com mão de obra intensiva, ou seja, como as de limpeza e segurança. Esse mecanismo está previsto na Lei 8.212/91. Para as demais empresas, o recolhimento é de 20% sobre a folha de pagamento.
– Com o PL: O governo tentou estabelecer o recolhimento de 11% sobre o faturamento para todas as empresas, depois fez outra tentativa, baixando para 5,5%. No fim, porém, ficou mantida a situação atual.
E o desconto do Imposto de Renda e de outros tributos?
– Atualmente: Não havia regulamentação.
– Com o PL: A empresa contratante é obrigada fazer o recolhimento antecipado de parte dos tributos devidos pela contratada: 1,5% de Imposto de Renda na fonte ou alíquota menor prevista na legislação tributária; 1% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); 0,65% do PIS/Pasep; e 3% da Cofins. Uma emenda, porém, diminui o recolhimento antecipado do IR na fonte de 1,5% para 1% para empresas de mão de obra intensiva.
Fonte: Extra
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