Houve tempo em que a benzedura era recurso de largo espectro, destinado a conjurar muitos senão todos os males, do mau-olhado às doenças contagiosas; com o tempo e os progressos da medicina e da farmacologia, o sortilégio perdeu prestígio e, ao que parece, saiu de moda; chego a supor tenha caído no esquecimento, repousa sob o véu da desmemória, indagar-se-á por que estou a lembrar-me do outrora valioso expediente. É que são tantas as coisas surpreendentes que têm acontecido e continuam a suceder, aqui e longe daqui, que, se a mezinha não tivesse sido revogada pela continuidade do desuso, seria levado a buscar a opinião dos doutos a respeito de sua suposta serventia, se é que ainda a possui. Pois a verdade é que, acredite ou não o penitente, em caso de necessidade, salve-se quem puder, seja lá a que preço.
Pois estou convencido de que atravessamos induvidosa superprodução de absurdos de todos os tipos, que, em tempos normais, seriam sérios infortúnios, mas que dia a dia passam a ser tidos como normais. E se é verdade que Octavio Mangabeira, com seu saber de experiência feito, dizia que se imaginasse um absurdo, por maior que fosse, havia precedente na Bahia, hoje o absurdo desmarcado parece ter-se expandido da Bahia para o Brasil inteiro.
O honrado presidente da República, cuja inteligência e intuição são reconhecidas até por seus mais radicais antagonistas, bastando notar que chegou à Presidência sem possuir diploma algum, até receber o que lhe dava acesso a ela, segundo sua pícara e expressiva observação, adotou um dos mais atrasados países, em todos os sentidos, para reformar a ONU e o que lhe estivesse próximo. E abraçou-se ao Irã, como se essa companhia pudesse dar seriedade à missão do novo arauto da renovação das organizações internacionais. A verdade é que o mau passo foi grande demais. Pouco antes, o fiasco em Cuba, quando, em pessoa, no dia de sua chegada à ilha, assistiu mudo ao sacrifício de Orlando Zapata, finado depois de 85 dias de greve de fome. Nenhuma palavra de clemência. Ao contrário, teve o mau gosto de equiparar os presos políticos do encanecido ditador com os que são condenados por crimes comuns, regularmente julgados, que cumprem pena em penitenciárias paulistas. A impressão causada foi penosa. Não demorou e se viu vítima da sua intimidade com o país dos aiatolás.
O inesperado aconteceu depois da reação mundial da inacreditável condenação. Já não falo da pena de morte nem desta em relação ao alegado adultério, mas da confissão depois de quatro anos de prisão. De repente, em TV do Irã, quarta-feira à noite, apareceu a condenada com o rosto coberto, vendo-se apenas o nariz e um dos olhos, para “confessar” não só o adultério como seu envolvimento no assassínio de seu marido. Nunca vi confissão menos verossímil. A meu juízo, ela é inaceitável, assim como a censura ao seu advogado, que teve de refugiar-se na Noruega! Houve quem afirmasse que ela foi torturada até submeter-se à “confissão espontânea”. Não duvido que esse procedimento seja adotado em regime totalitário. Contudo, desprezo esse dado. Tudo me soa falso no macabro episódio. Esse o país adotado pelo presidente do Brasil como companheiro às suas investidas internacionais. Como brasileiro, é o que mais me impressiona.
Fonte: Jornal “Zero Hora” – 16/08/10
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