Estudo da Fiocruz aponta que, em dois anos, focos de conflito em todo o país cresceram 40%
O aprofundamento dos conflitos sociais nos centros urbanos e os impasses ambientais no campo alimentam bombas-relógios prestes a explodir no Brasil. Mapeamento da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) identificou 490 focos de tensão em todo o país, 40% a mais do que foi contabilizado pelo mesmo grupo em 2012. Desses, 147 (30%) estão em áreas urbanas e afetam diretamente a qualidade de vida da população. Os problemas sociais são um dos gargalos que a presidente reeleita Dilma Rousseff, os governadores e os parlamentares terão que enfrentar nos próximos anos. A dificuldade e o custo para conseguir moradia, a qualidade da mobilidade urbana e dos serviços públicos e a demora para resolver conflitos de terra são alguns dos principais pontos de tensão a serem resolvidos.
Se, em junho do ano passado, os brasileiros tomaram as ruas em protestos que começaram contra o aumento das tarifas de ônibus e se expandiram em diversas frentes, o país tem agora mais ingredientes nessa panela de pressão social. De demarcações indígenas e quilombolas no Acre e na Bahia, grilagem no Mato Grosso, impactos de obras de infraestrutura no Rio Grande do Norte e Tocantins até problemas de habitação nos principais centros urbanos, como São Paulo, Rio, Recife e Brasília.
Algumas bombas-relógios já estão armadas e prestes a explodir, todas ligadas a problemas de moradia, falta de água e aumento do valor das tarifas de ônibus. Nos últimos sete dias, três processos de reintegração de posse terminaram em confronto entre policiais e moradores em São Paulo e em Brasília. O problema do desabastecimento de água saiu das torneiras dos paulistas para as ruas e atinge 1.234 cidades no país.
— É um momento delicado. O tecido social mudou e o governo ainda não aprendeu a dialogar com os novos atores — analisa o cientista político e pesquisador da UFRJ Sandro Correa.
De acordo com o levantamento da Ensp/Fiocruz, 30% dos conflitos hoje no Brasil são nos grandes centros urbanos. A maioria deles no Sudeste, onde 136 focos já foram identificados. A pesquisa aponta que as tensões nas cidades são alimentadas pela falta de políticas públicas para moradia, saneamento, qualidade de vida, direitos humanos e cidadania. Segundo o coordenador geral do projeto, o pesquisador Marcelo Firpo, nas cidades brasileiras o número de conflitos deverá aumentar nos próximos anos.
— Não se esperava ver hoje no Brasil, por exemplo, conflitos ambientais oriundos da falta d’água. Estamos vivendo um modelo de desenvolvimento que é o principal fator gerador de novas tensões e conflitos. Se isso não for revisto, haverá cada vez mais focos de tensão no país — explica Firpo.
O mais recente protesto contra a falta d’água na capital paulista reuniu apenas 200 pessoas no sábado, mas um novo ato está marcado para quarta-feira. Entre os organizadores, estão ativistas que estiveram por trás das manifestações contra a Copa do Mundo em São Paulo, em julho, que terminaram em confronto com a Polícia Militar e agências quebradas. Em Itu, no interior do estado, onde a falta d’água já dura mais de seis meses, a Câmara Municipal foi depredada em um protesto, que terminou em confronto entre a Tropa de Choque e os manifestantes. A tensão é grande no município e os carros-pipas só andam pela cidade com escolta da Guarda Civil Municipal para evitar saques.
— Apesar da diminuição das desigualdades no Brasil nas últimos décadas, o que vemos é um agravamento das tensões sociais. Há um processo de gentrificação alimentado pela política desenvolvimentista que leva ao surgimento do problema. — diz Firpo, que critica: — Nenhum crescimento econômico deveria justificar qualquer tipo de violência ou a perda da qualidade de vida das populações.
O elevado número de conflitos nos estados do Rio, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo pode estar relacionado ao histórico de intensa ocupação territorial e de industrialização com inúmeros impactos socioambientais, bem como aos movimentos sociais organizados na região.
Em Brasília, a ocupação ilegal de terrenos públicos se tornou um problema para o governo local. Só este ano, 785 operações foram feitas em todo o Distrito Federal. Pelo menos 388 casas de alvenaria e quase 6 mil barracos de madeira ou lona foram derrubados. Em alguns casos, houve confronto entre a polícia e invasores. Em São Paulo, só no centro da capital, 44 prédios foram invadidos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST). O grupo, capaz de mobilizar 20 mil pessoas nas ruas, expandiu sua atuação e já tem núcleos em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e em Recife.
34 pessoas assassinadas em conflitos
O sinal de alerta também está ligado entre prefeitos e governadores eleitos. Desde junho de 2013, as tarifas do transporte de muitas das principais cidades do país ficaram congeladas. A partir de janeiro, prefeitos e governadores enfrentarão um dilema: aumentar o subsídio pago aos empresários de transporte para manter as tarifas nos valores atuais ou reajustar a passagem e lidar com uma possível nova onda de manifestações.
Na tentativa de evitar o problema, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) entregou para os candidatos a presidente, em setembro, uma carta com pedidos para evitar o conflito. Eles querem a municipalização da Cide, tributo que incide sobre combustíveis. Nos dias 10 e 11, eles esperam receber a presidente Dilma no encontro anual da entidade para cobrar ajuda.
No campo, os conflitos muitas vezes acabam em morte. Em 2013, de acordo com a Pastoral da Terra, 1.277 confrontos foram registrados no Brasil e 34 pessoas foram assassinadas. A fronteira de expansão econômica do agronegócio, do ciclo da mineração e inúmeras obras de infraestrutura, como hidrelétricas, rodovias e transposição do São Francisco, são apontados por especialistas como causas de zonas permanentes de tensão. Com frequência, os casos envolvem estados inteiros. No Amapá, por exemplo, em todos os 16 municípios há conflitos por terra.
Nas áreas rurais, as populações mais atingidas são indígenas (33,67%), seguidas dos agricultores familiares (31,99%) e dos residentes quilombolas (21,55%). O relatório da Fiocruz leva em conta questões ambientais e problemas ampliados de saúde, além da piora da qualidade de vida, o risco a extinção de uma cultura ou tradição e a violência como fatores possíveis para o surgimento de um foco de tensão.
Fonte: O Globo
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