Impressiona a catarata de más notícias que fustiga o Congresso Nacional. Irregularidades, abusos e desmandos ocupam manchetes dos principais diários e são chamadas dos telejornais. Uma instituição essencial para o Brasil, fundamento da democracia, faz água por todos os lados. As denúncias, recorrentes, não focalizam determinados partidos. Atingem, infelizmente, quase todos os setores do Parlamento. No curto espaço de duas semanas pipocaram inúmeros escândalos.
A investigação de denúncias de doações irregulares de empreiteiras em campanhas eleitorais foi descartada de saída. Seria como “destampar uma panela de pressão”, comenta o líder de um partido da base aliada do governo. “Haveria o risco de um efeito dominó”, concorda um deputado da oposição. Resumo da ópera: todos, governo e oposição, estão unidos na mais espantosa cumplicidade e dispostos a prosseguir num jogo de faz de conta.
Multiplicam-se diretorias. Servidores – alguns fantasmas, outros de discutível competência – crescem como cogumelos e promovem sangria no dinheiro público. Farra com passagens aéreas. Gastos mirabolantes com combustível. O nepotismo rola solto. Despesas milionárias com alimentação. Contas exorbitantes de telefone celular. A gráfica do Senado foi transformada num instrumento de autopromoção. Houve quem reunisse em livro os elogios recebidos por e-mail à sua própria atuação parlamentar. O quadro é constrangedor.
Mas o pior de tudo é a reação dos parlamentares. Após sucessivas denúncias, oposição e situação pedem medidas contra a imprensa. Não apuram nada. Ao contrário, fecham-se num corporativismo assustador. Insurgem-se contra a mídia. Vivem de costas para a sociedade.
“Essa tônica de se querer eleger o político como a figura mais desprezível da sociedade deve ser rechaçada. É inaceitável! Não é possível essa campanha difamatória que aumenta a cada dia”, disse o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO). “Os editores estabelecem um tema e os jornalistas são obrigados a enquadrar a realidade naquele tema. Não importa o que o deputado fale. Isso pega todos. Não contribui para a democracia”, afirmou o líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP). Já o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), identificou na imprensa uma ação para indispor a instituição com a sociedade.
Renasce, mais uma vez, a teoria conspiratória. Armação da imprensa. Distorção da mídia. Patrulhamento de jornalista. Quantas vezes, amigo leitor, você registrou essas reações nas páginas dos jornais? Inúmeras, estou certo. Elas estão contidas, frequentemente, em declarações de políticos apanhados com a boca na botija, no constrangimento de homens públicos obsessivamente preocupados com os próprios interesses. Todos, independentemente da contundência das suas impressões digitais, negam tudo. Procuram, invariavelmente, um bode expiatório para justificar seus delitos. A culpa é da imprensa! A acusação, carregada de cinismo, é uma manifestação explícita de desprezo pela verdade.
Que fazer? Mentir? Sonegar informação? Cumprimos, todos, o nosso dever: informar. E nada mais. Os meios de comunicação existem para incomodar. Um jornalismo de aplauso é socialmente irrelevante. A imprensa, gostem ou não os políticos, tem importante papel na recuperação da ética na vida pública.
Centro de Detenção de Araraquara (SP), 2006. Transcrevo o diálogo do bandido Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, com o presidente da CPI do Tráfico de Armas, deputado Moroni Torgan (PFL-CE). O depoimento foi reproduzido pelo jornalista Josias de Souza. É de grande atualidade.
A sessão de inquirição de Marcola transcorria em tom cordial. Súbito, o presidente da CPI levantou o timbre de voz. Tentava arrancar do interrogado o reconhecimento de que comanda o PCC. Acusou a facção criminosa de se aproveitar dos presos, obrigando-os a reincidir no crime depois de libertados da cadeia, para financiar o PCC. Marcola não gostou nem do tom de voz do deputado nem das observações. E pediu respeito.
Moroni: “O que existe é uma organização criminosa.”
Marcola: “Vamos parar o grito (…).”
Moroni: “Uma organização criminosa.”
Marcola: “Vamos gritar. É isso que o senhor quer?”
Moroni: “Eu falo do jeito que eu quiser (…).”
Marcola: “Não grita, pô!”
Moroni: “Agora eu quero dizer, com todo o respeito que eu tenho pela humanidade: o PCC existe para explorar os coitados dos presos que têm que sair para rua e trabalhar para eles. Tem que trabalhar, tem que ser criminoso. Se tu saíres, pagar tua pena, tu tens que ir para rua para ser criminoso.”
Marcola: “E o que é que os deputados fazem? Não roubam também? Roubam para car…, meu!”
Moroni: “É, isso vai ser outra coisa que tu vai ser indiciado também.”
Marcola: “Só porque deputado rouba eu vou ser indiciado?”
Moroni: “Por desacato. Disso tu vais ser indiciado.”
Marcola: “Que moral tem algum deputado para vir gritar na minha cara? Nenhuma.”
Impressionante! A lógica de Marcola é tremenda: não há diferença entre um traficante e um deputado. Ambos roubam, argumenta o criminoso. Segundo a filosofia do ideólogo do PCC, a democracia é o regime do vale-tudo. A dedução, absurda, tem sido confirmada pelo comportamento de muitas de nossas autoridades. Todos os sinais foram trocados. Por isso, quando a imprensa denuncia os desvios dos parlamentares, está fortalecendo o Congresso e defendendo a democracia. Os homens de bem, os deputados corretos, certamente ficarão do lado da luz. Do lado dos que defendem o vitória da ética e da verdade.
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