“Foi você mesmo quem escreveu isso? Está tão bem escrito.” “Esse projeto é audacioso demais. Você tem certeza de que vai conseguir dar conta?”
Foram perguntas ouvidas ao longo da carreira pela jovem bióloga Fernanda de Pinho Werneck, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), agraciada recentemente com um importante prêmio científico internacional.
O “Rising Talents” (“Talentos Promissores”, em tradução livre) — concedido pela Fundação L’Oréal em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) — é dado a 15 jovens cientistas de todo o mundo.
Elas foram selecionadas por um júri de cientistas entre as 250 vencedoras das edições nacionais do programa “Para mulheres na ciência”, também realizado em todas as regiões do mundo. Fernanda tinha sido uma das sete cientistas brasileiras escolhidas no “Para mulheres na ciência” na edição de 2016.
Pelo “Rising Talents”, ela recebeu uma bolsa de 15 mil euros (cerca de R$ 50 mil) para suas pesquisas.
A brasileira, de 35 anos, estuda os efeitos das mudanças climáticas na vida animal, sobretudo répteis, como lagartos, e também anfíbios, mais sensíveis às alterações de temperaturas.
Suas pesquisas buscam estimar os riscos de extinção e capacidade de adaptação de espécies que vivem na Amazônia e no Cerrado brasileiro, como também na área de transição entre esses dois biomas.
Nascida em Goiânia e formada pela Universidade Federal de Brasília, com doutorado em biologia integrativa pela Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, Fernanda lembra que “sempre gostou de ciências na escola”, onde se interessou pela evolução animal.
Apesar de ter encontrado em seu trabalho algumas pessoas que duvidaram de suas competências pelo fato de ser mulher, Fernanda conta que, em geral, desde o início teve apoio em suas atividades, ao participar de estágios para trabalhos de campo na Amazônia.
A brasileira representa uma minoria em sua profissão. Segundo um estudo do Boston Consulting Group (BCG) para a Fundação L’Oréal, apenas 30% dos pesquisadores de todo o mundo são mulheres.
O percurso acadêmico de Fernanda é uma exceção à regra: segundo o relatório do BCG, uma estudante do ensino médio tem, em geral, 35% de chances de se inscrever em um curso universitário científico. No caso dos homens, o índice é de 77%.
Já a probabilidade de uma mulher se formar na área científica seria de apenas 18%, com 8% de chances de cursar um mestrado (19% no caso dos homens) e apenas 2% de ser doutora em ciências.
Assim como em outros setores, elas enfrentam desigualdade, como salários menores e há pouco encorajamento durante os estudos — e têm de conciliar o trabalho com o desejo de ter filhos.
Nesse campo, os clichês são fortes, inclusive em países desenvolvidos: uma pesquisa realizada pelo instituto OpinionWay em vários países da Europa em 2015 revelou que 67% dos europeus consideram que as mulheres não teriam capacidade para “se tornarem cientistas de alto nível”.
O total de mulheres com essa opinião é de 66%, quase o mesmo dos homens.
Não é de de estranhar que apenas cerca de 3% dos prêmios Nobel na área científica foram atribuídos a mulheres desde sua criação, em 1901. Desse total, a grande maioria foi no campo da medicina.
Até hoje, apenas duas mulheres ganharam prêmios Nobel de física: a franco-polonesa Marie Curie, em 1903, a americana Maria Goeppert-Mayer, em 1963.
Na área de química foram apenas quatro: a última delas foi a israelense Ada Yonath, em 2009, após 45 anos de intervalo em relação à predecessora.
No Brasil, há avanços. O número de mulheres que publicam artigos científicos, a principal forma de avaliação da carreira acadêmica, cresceu 11% nos últimos 20 anos, segundo estudo da Gender in Global Research Landscape (Gênero no Cenário Global de Pesquisa, em tradução literal).
As pesquisadoras no Brasil que publicam artigos científicos somam 49% do total, ou seja, quase a mesma proporção dos homens.
Entre os países pesquisados, Brasil e Portugal são os que apresentam maior número de autoras de trabalhos científicos.
Desafios
Fernanda diz que a carreira de cientista apresenta vários desafios que vão além, no caso do Brasil, da dificuldade para conseguir financiamentos.
“Não é um trabalho com horário comercial. Ele exige muitas horas de dedicação. A primeira coisa que faço quando volto para casa é ligar o computador”, afirma.
A bióloga conta ainda que teve de “aprender a conciliar a maternidade” com as pesquisas, que precisam prosseguir. Seu marido também é pesquisador e os casal compartilha os cuidados da filha.
Além disso, os trabalhos em campo da bióloga podem levá-la a passar até um mês fora de casa, em áreas isoladas da Amazônia, com pouco contato com a família.
Para a L’Oréal e a Unesco, as vencedoras do “Rising Talents” são mulheres “com o poder de mudar o mundo”.
Fernanda espera que o reconhecimento internacional trazido pelo prêmio atraia atenção para a presença das mulheres no mundo das ciências.
E, ao mesmo tempo, alertar para a necessidade de preservação da biodiversidade, onde, segundo ela, estão “as respostas de muitos problemas da humanidade”.
Fonte: G1.
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