Nascido na cidade de Puerto Madryn, na Patagônia argentina, Federuci Vega abriu em 2011 sua primeira empresa no Chile, a Transportar Online, que atendia Chile, Brasil e Argentina. Mas, com problemas no modelo de negócios, foi obrigado a fechar as operações chilena e argentina. Em 2013, mudou tudo, se estabeleceu no Brasil e lançou a CargoX, startup que conecta caminhoneiros ou transportadoras com capacidade ociosa a empresas que precisam de serviços de frete.
Depois de receber aportes da ordem de US$ 90 milhões e ser escolhida como uma das empresas mais inovadoras do mundo pela Fast Company, a empresa está a dois passos de virar um unicórnio — startups com avaliação superior a US$ 1 bilhão. “É bem possível”, diz o empreendedor. “Mas, para mim, isso é apenas um número. Um funcionário bem treinado faz um cliente feliz. Um investidor mais rico não faz diferença para o mundo.”
Quando você teve a ideia para criar a CargoX?
Sempre gostei de pedalar. Em Puerto Madryn, onde nasci, a bicicleta era meu principal meio de condução. Comecei aos 8 anos, quando entrei para uma associação de mountain bike e me juntei a um grupo de meninos que percorriam trilhas, iam de uma cidade para outra, dormiam no campo. À medida que fui crescendo, meus amigos começaram a deixar a cidade para estudar em Buenos Aires.
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Daí passei a pedalar cada vez mais longe, para visitá-los. Foi durante essas pequenas viagens que tive os primeiros contatos com caminhoneiros, que sempre me socorriam nos momentos de necessidade. Quando você está na estrada há muito tempo e precisa de ajuda ou de água, quem para e te ajuda é o caminhoneiro. Aos 18 anos, decidi estudar Economia em Buenos Aires, onde morei durante três anos. Mas só concluí o curso mais tarde, em Londres. Cruzei o Atlântico com a bike dentro do avião. E daí pedalei da Espanha até a Inglaterra. Depois de terminar a faculdade, fiz mestrado em finanças na cidade de Southampton, a cerca de 130 quilômetros de Londres. Minha intenção, depois disso, era fazer um Ph.D.
Eu gostava da vida de estudante, que é parecida com a de empreendedor: você precisa entregar suas coisas, mas faz tudo no seu tempo. Só que eu não tinha dinheiro para isso. Então acabei conseguindo uma vaga no banco de investimentos JP Morgan. Fiquei lá até 2011, quando pedi demissão.
Por que deixou o banco?
Pedi demissão com a ideia de fazer um MBA, mas antes queria tirar um ano para ir em busca do que gostaria de fazer pelo resto da vida. Nesse período, comecei a pensar em um projeto com o qual pudesse ajudar caminhoneiros e transportadoras. Era um mundo do qual eu gostava. Nunca havia pensado em ser empreendedor antes.
Mas, na JP Morgan, havia entrado em contato com o mundo da tecnologia, já que eu cuidava de ações de empresas como Apple e Twitter. Quando voltei para a América Latina, em 2011, comecei a trabalhar no meu projeto. Percebi que era óbvio usar a tecnologia para resolver problemas dos caminhoneiros. E o melhor é que era algo que eu gostaria de fazer. Com a ajuda de um amigo, desenvolvi um app e coloquei o negócio no ar.
Em 2012, a empresa começou a bombar, e consegui o apoio do governo chileno, por meio do programa Start-Up Chile, que fez um aporte de US$ 40 mil. No ano seguinte, alguns investidores-anjo colocaram US$ 250 mil na empresa. Um deles era o meu ex-chefe do JP Morgan, que também me ajudou com suas conexões na área de tecnologia. Com esses recursos, conseguimos crescer.
Essa empresa já era a CargoX?
Ainda não. A Transportar Online foi uma ideia anterior, que trouxe aprendizados valiosos. Mas cometi um equívoco: focar em pessoas físicas em vez de empresas. E quem precisa na verdade de serviços de transporte são empresas grandes, com recorrência. Em 2013, o negócio não estava bem e decidi que era melhor interromper as operações na Argentina e no Chile — essa foi a parte mais dolorosa.
Mas mantive a operação brasileira. Mudei a sede para São Paulo e adotei um novo nome: CargoX. Basicamente lancei uma empresa totalmente nova, com os aprendizados que tínhamos, mas dessa vez no mercado brasileiro, o maior da América Latina. E mudamos um pouco o modelo de negócios: passamos a focar no B2B, intermediando empresas e caminhões.
Por que decidiu manter a operação brasileira?
Eu já tinha passado pelo Brasil e conhecia caminhoneiros por aqui. Sabia que era um mercado fragmentado e que tinha deficiência de logística. Essas características eram essenciais para o modelo de negócios da CargoX. Nós operamos no formato de marketplace, que conecta quem oferece um produto ou serviço a quem procura por ele. E esse tipo de negócio funciona melhor em mercados fragmentados. No Brasil, a operação B2B já estava bombando. Fazia sentido avançar aqui.
Como aconteceu a expansão?
O primeiro investidor da empresa foi o Valor Capital Group, que fez dois aportes de US$ 500 mil. Entre 2016 e 2019, captamos mais US$ 90 milhões, em rodadas com Goldman Sachs, Blackstone e com o fundo de George Soros. Além dos aportes, muitos dos investidores entraram também com experiência e inteligência estratégica. O ex-CEO da DHL Hans Hickler trouxe conhecimento de logística. Oscar Salazar, cofundador e ex-chefe de tecnologia da Uber, também colaborou muito na evolução da empresa.
A CargoX entrou para a lista de potenciais unicórnios da consultoria CB Insights. Já alcançou esse status?
Ainda não. Ser um unicórnio é muito possível, já que somos líderes em um mercado de mais de US$ 100 bilhões. Quer dizer, chegamos aqui porque resolvemos um problema dos clientes, e porque temos escala. Se você não tem escala, você não consegue. Mas, para mim, o status de unicórnio é apenas um termo. É só uma questão de números. Não é uma prioridade no momento.
Nosso foco são os funcionários, os clientes e, por último, os investidores e a avaliação de mercado. Um investidor mais rico não faz diferença para o mundo. Um funcionário bem treinado faz um cliente feliz. E um time de funcionários eficientes faz uma empresa. Não é o fundador que ergue um negócio, são os colaboradores.
Você tem dificuldades em encontrar funcionários qualificados para a CargoX?
As primeiras contratações foram as mais difíceis, tive de procurar muito. Mas tive sorte e acabei encontrando profissionais incríveis. Hoje, se você me perguntar como consegui captar US$ 90 milhões e chegar onde estamos, foi por causa das primeiras contratações que eu fiz. Depois, esses funcionários contrataram pessoas ainda melhores, e foi isso que fez a roda rodar muito bem.
Porque, ao longo do caminho, cometemos muitos erros. Mas, quando você tem boas pessoas dentro da empresa, elas conseguem resolver os problemas e levar a empresa para onde tem de ir.
Quais foram os erros cometidos pela CargoX?
Logo no começo da empresa, em 2013, estávamos usando um programa para compilar dados que não era o mais adequado. Da maneira como estávamos trabalhando, os dados não eram muito escaláveis, e isso tinha potencial para trazer grandes problemas no futuro. Quer dizer, hoje eu percebo que a base do nosso negócio é o machine learning.
No fundo, somos uma empresa de machine learning, e não de transportes. É essa tecnologia que nos permite absorver uma grande quantidade de dados e colocar cargas nas viagens de retorno dos caminhões, ou lançar um fundo de investimento e saber onde captar dinheiro. Mas, naquela época, lá atrás, eu não sabia disso. Foi uma funcionária contratada para o departamento financeiro [ela prefere não ter o nome revelado] que percebeu a falha. Eu ouvi o que ela tinha a dizer e vi que tinha toda a razão.
Dei carta branca a ela, que montou uma equipe muito boa. E isso mudou completamente o patamar da empresa. Quando começamos, tínhamos um nível de serviço e valor para os usuários muito diferente do que temos hoje. Por isso é que eu digo que, se não fosse por essa funcionária, não existiria a CargoX. Porque ela descobriu o erro lá atrás. Agora, ela está fazendo um curso de machine learning em Harvard.
A CargoX costuma ser chamada de “Uber dos caminhões”. Para você, essa associação faz sentido?
Eu não gosto. Esse termo dá a impressão de que somos competidores ou inimigos dos caminhoneiros. Mas o meu objetivo é ser o melhor amigo deles. Nós queremos ajudá-los de todas as maneiras possíveis.
O principal objetivo, claro, é conectar caminhões a empresas, trazendo agilidade e facilitando o contato. Mas também fornecemos serviços ligados à segurança. Por meio de um aplicativo, a CargoX sugere trajetos e postos mais confiáveis para os motoristas. E alerta sobre aqueles mais perigosos, com incidência maior de roubos de carga.
De que maneira vocês atendem as transportadoras?
Fornecemos tecnologia para deixar suas redes mais eficientes. Se você manda muitos caminhões de São Paulo a Recife, por exemplo, podemos permitir que voltem com carga. Se o caminhão sai da rota, falamos para a transportadora. Há um mês, começamos a financiar capital de giro para essas empresas. Estamos com um fundo de R$ 100 milhões — em menos de um mês, já emprestamos R$ 20 milhões.
Normalmente, leva entre 60 e 90 dias para a transportadora receber o pagamento do cliente. Nós podemos financiar, emprestar esse dinheiro. Mais para a frente, vamos lançar o Cargo Bank, basicamente um banco no qual vamos emprestar e captar mais capital de forma estruturada, e mais eficiente.
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Hoje, gigantes da tecnologia como a Tesla estão investindo em caminhões autônomos. Em breve, deveremos ter veículos de carga circulando sem necessidade de motoristas. Como a CargoX se encaixa nesse futuro?
Veja bem, um caminhão autônomo precisa de três pilares para ser completamente funcional e eficiente: hardware, dominado por companhias chinesas, americanas e europeias; mapas de alta resolução, uma coisa que Uber e Google fazem muito bem; e informação. É nessa última que a CargoX se encaixa.
É preciso saber onde estão as cargas, quais estradas suportam determinados tipos de caminhões, onde acontecem roubos. São informações que temos para oferecer. Quando o caminhão autônomo chegar ao Brasil, tenho certeza de que estaremos nesse processo. Os investidores de grande porte estão de olho na gente por esse motivo. A indústria dos caminhões vai mudar, e eles sabem disso. Nós seremos parte desse futuro.
Você ainda anda de bicicleta?
Hoje é mais difícil. Mas acabei de comprar uma mountain bike na Europa. Quando vou para Barcelona, costumo fazer trilhas com Oscar Salazar, cofundador e ex-chefe de tecnologia da Uber. Aqui no Brasil, ando sozinho, geralmente em montanhas. Mas não faço mais viagens de bicicleta. É perigoso andar nas estradas brasileiras. Muitos caminhões.
Fonte: “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”