Diante de uma taxa de desemprego que atinge 26,6% dos jovens no país — mais que o dobro da média nacional —, os dois candidatos à Presidência têm planos diferentes para lidar com o problema. Jair Bolsonaro prevê uma forma de baratear o custo de contratação de quem ingressa no mercado de trabalho. Quem tiver entre 20 e 25 anos, em um eventual governo do PSL, poderá optar pela chamada carteira verde e amarela, alternativa à CLT, com direitos reduzidos. A medida é vista com cautela por especialistas, porque possivelmente exigirá mudanças na Constituição Federal e pode criar duas categorias de trabalhador. Já Fernando Haddad (PT) aposta em propostas como bolsas para alunos do ensino médio trabalharem em órgãos públicos, parte de um programa baseado em investimentos públicos na economia.
Os dados sobre desemprego jovem são do IBGE, referentes ao segundo trimestre deste ano, e dizem respeito a trabalhadores que têm entre 18 e 24 anos. Hoje, o país tem 4,1 milhões de pessoas nessa faixa etária que procuram e não conseguem trabalho. Essa parcela da população já enfrenta mais dificuldades para conseguir uma vaga, devido à falta de experiência. Um quadro que piorou com a recessão.
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A proposta de Bolsonaro é voltada para reduzir custos e gerar empregos. O foco nos mais jovens é uma “forma de evitar transtornos” para os trabalhadores que já estão no mercado, segundo um integrante da equipe do economista Paulo Guedes, responsável pela área econômica do candidato. Ainda não está decidido se a opção pela nova carteira será definitiva. Ou seja, se, depois do limite de 25 anos, o trabalhador poderá optar por voltar ao modelo com todos os direitos.
O modelo de contrato alternativo teria direitos reduzidos, que prevaleceriam sobre a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele poderá, por exemplo, abrir mão da contribuição patronal para o INSS (mantendo apenas o desconto como pessoa física para a Previdência) e de encargos referentes à saúde, como auxílio-doença. Em contrapartida, teria liberdade para investir os recursos do FGTS, em vez de deixar o dinheiro preso na Caixa Econômica Federal, como acontece atualmente. A ideia é combinar uma espécie de reforma trabalhista a ajustes na legislação do FGTS.
Segundo a fonte, estariam assegurados direitos como 13º salário e férias, que estão previstos na Constituição. O plano ainda está sendo fechado, mas a ideia é flexibilizar itens constitucionais, que foram regulamentados na CLT, como adicional noturno, remuneração de horas extras e multa em caso de demissão sem justa causa, entre outros.
Risco de distorção
Eduardo Fleury, advogado e economista, avalia que há riscos na proposta:
— Diminuir a contribuição previdenciária não necessariamente vai aumentar o investimento das empresas, mas vai aumentar a pressão por melhores salários. Por outro lado, há o risco de criar distorções. As empresas podem preferir profissionais mais jovens, e isso teria efeito negativo sobre a produtividade.
A necessidade de mexer na Constituição é vista com cautela por especialistas. A advogada Juliana Bracks, professora da FGV Direito, lembra que a reforma trabalhista, que tem como foco a livre negociação entre empregador e empregado, proibiu a negociação desses pontos. Ela lembra ainda que a mudança criaria duas regras para trabalhadores na mesma função.
— Com a Constituição que temos hoje, não (seria possível ter dois regimes simultâneos). A nossa Constituição não fala: “são esses os direitos trabalhistas para quem tem mais de 30 anos”.
A forma de alterar a Constituição também gera incerteza. Não há consenso sobre a viabilidade de alterar o artigo 7º, que prevê esses direitos sociais. Para alguns juristas, o trecho é considerado cláusula pétrea — não pode ser alterada, a menos que haja nova Constituinte. Outro grupo de especialistas entende que bastaria uma emenda constitucional para alterar o texto.
— O artigo 7º trata das condições mínimas. Teoricamente, poderiam ser feitas mudanças por PEC (proposta de emenda constitucional). Mas seria preciso um capital político maior — analisa o advogado Domingos Fortunato, do escritório Mattos Filho.
Na proposta de Haddad, o programa “Meu emprego de volta” prevê que alunos no ensino médio possam dar expediente em órgãos públicos, recebendo uma bolsa de R$ 500. Assim, poderiam estudar e trabalhar, disse uma fonte. O projeto, porém, não explica os detalhes sobre como as bolsas seriam financiadas num cenário de gestão orçamentária apertada. Outra ideia é incentivar o empreendedorismo juvenil em projetos culturais nas periferias dos grandes centros.
Enquanto Bolsonaro teria de alterar a CLT, Haddad propõe revogar as mudanças na legislação e criar um estatuto do trabalho que atenda às mudanças no mercado de trabalho. De acordo com auxiliares de Haddad, esse novo estatuto vai corrigir “distorções” da mudança na CLT, como permissão para grávidas trabalharem em local insalubre e a adoção de um contrato intermitente. Neste último caso, a ideia do candidato é assegurar pelo menos um salário mínimo aos trabalhadores.
Já Bolsonaro não só manterá o fim do imposto sindical obrigatório, mas quer acabar com a unicidade sindical. Ou seja, poderá existir mais de um sindicato em uma mesma base territorial, o que atualmente não é possível. Essa prerrogativa garante às entidades uma reserva de mercado. Os economistas que estão auxiliando o candidato afirmam que os sindicatos precisam ser atuantes para conseguir associados.
Impactos econômicos
Se vencidos os entraves jurídicos, as duas propostas também têm impactos econômicos diferentes. A ideia de flexibilizar direitos justamente na população mais jovem poderia equilibrar a competição no mercado de trabalho, na avaliação do economista Mauro Rochlin, professor dos MBAs da FGV.
— Flexibilizar poderia ajudar pessoas nessa faixa etária, que têm menor competitividade, por terem menos experiência — diz o economista.
Rochlin, no entanto, afirma que ainda é cedo para dizer se a medida traria mais impactos positivos do que negativos:
— Tenho dúvidas sobre isso. A gente tem a experiência de que a flexibilização de direitos leva a aumento do nível de emprego, mas o risco é a perda de qualidade.
A respeito dessa crítica, defensores da proposta argumentam que mais da metade da força de trabalho está na informalidade, não tem salário adequado e não contribui para a Previdência.
Fonte: “O Globo”