Todos dizem que as reformas política, tributária e previdenciária são urgentes e indispensáveis, que querem fazer, mas ninguém quer perder nada. Só uma Constituinte exclusiva teria independência e isenção para fazê-las, só ela acabaria com os nossos problemas.
Mas que forças e razões misteriosas levariam um constituinte exclusivo, petista, tucano, ou peemedebista, a fazer as reformas corretas que a sociedade exige, contra os interesses a curto e médio prazo de seu próprio partido? Por que o seu comportamento seria mais íntegro e democrático, diferente da maioria dos atuais congressistas de todos os partidos? Eles virão de Marte? Quem seria candidato? Políticos com mandato? Derrotados das últimas eleições? Personalidades populares fora da política? A elite sindical e empresarial? Os notáveis de araque bancados pelos financiadores de sempre? Os fregueses dos currais e dos grotões? Seria uma réplica do atual Congresso.
Uma Constituinte exclusiva seria isenta de fisiologismo e corrupção? O peso das decisões e o valor pessoal do constituinte e de seu voto serão ainda maiores — proporcionais ao assédio dos lobbies e corporações. A exclusividade dará aos eleitos probidade, equilíbrio e independência? Por que os liderados de Renan, Sarney ou Zé Dirceu no Congresso se comportariam de forma diferente numa exclusiva? Se os 300 picaretas reconhecidos por Lula, inevitavelmente, serão maioria nessa assembleia, então por que fazê-la? O pior é que abriria caminho para outras, piores.
Não por acaso, essa proposta sempre vem de partidos no poder que têm maioria no Congresso, mas (ainda) não os 3/5 para mudar a Carta.
Hugo Chávez nem teve esse trabalho: a oposição boicotou as eleições e ele ficou com a maioria esmagadora do Congresso e mudou a Constituição à vontade, instituindo a reeleição ilimitada e usando a democracia para destruir a democracia e impor, à revelia de metade da população, um socialismo castrista em que nem Fidel acredita mais.
Quando a vontade das maiorias eventuais não respeita os direitos fundamentais das minorias, a democracia vira bolivarianismo.
Fonte: Jornal “O Globo” – 10/09/10
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