A Constituição “parlamentar”: muitos privilégios, baixa produtividade
Os maiores problemas econômicos do processo legislativo não são decorrentes, explicitamente, de disposições constitucionais, mas de certas interpretações especiosas, quando não fantasiosas, quanto ao sentido que se deve dar às medidas executivas aprovadas pelo Congresso, em primeiro lugar, o orçamento, a peça básica da governança em qualquer democracia consolidada. Subsiste uma interpretação, jamais explicitada no texto constitucional, de que a peça orçamentária anual, aprovada sob formato de lei pelo Congresso, é apenas “autorizativa”, e não impositiva, cabendo então ao Executivo, segundo seu próprio arbítrio, realizar “contingenciamentos” dos montantes de despesas autorizados. Tentativas parlamentares para tornar explicitar e obrigatória a característica “impositiva” do orçamento anual, por meio de emenda constitucional, também precisariam ser confrontadas à prática dos próprios congressistas de aumentar, arbitrariamente, a receita prevista no projeto original do executivo para então acomodar emendas parlamentares que excedem o total de recursos.
Registre-se, desde logo, para a Câmara, que o princípio constitucional da proporcionalidade da representação não é de fato assegurado, uma vez que se impõe um piso e um teto para o número de deputados, o que redunda numa total desproporção de número de votos requeridos entre os eleitos nos menores estados e nos maiores. Esse diferencial também tem efeitos econômicos, ao conceder um poder decisório bem maior a estados e regiões que, proporcionalmente, contribuem com uma base fiscal reduzida para os recursos da federação, sendo de fato recebedores líquidos de verbas federais.
A deformação da representação parlamentar – não derivada exatamente da última elaboração constitucional, mas de um ato institucional imposto durante o regime militar, em 1977 – torna difícil alcançar-se uma administração racional dos recursos públicos, uma vez que coloca em campos opostos estados e regiões dependentes de transferências federais e os pagadores líquidos do sistema de compensações. Assim, regimes especiais – zonas francas, ou fundos de desenvolvimento – são aprovados sem qualquer base técnica ou justificativa econômica mais sofisticada, apenas com o apoio de determinadas coalizões políticas que se revelam dominantes.
Este trecho é a quarta parte do artigo “A Constituição brasileira aos 25 anos: Um caso especial de esquizofrenia econômica”, escrito por Paulo Roberto de Almeida e publicado na revista “Digesto Econômico”. Leia a quinta parte.
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