Em meio à troca de farpas com o Congresso na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro usou a expressão “ velha política ” para se referir a práticas de parlamentares que, segundo ele, são perversas. A empresários, disse que “não vai jogar dominó com Lula e Temer no xadrez”, como uma possível consequência por negociar cargos no governo para formar uma base aliada. Antes, chegou a perguntar: “O que é articulação?”.
O GLOBO ouviu acadêmicos e políticos experientes para responder a essa pergunta. A resposta remonta à classificação criada pelo cientista político Sérgio Abranches, em 1988: o regime brasileiro é um “presidencialismo de coalizão”.
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Trata-se, segundo o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de um sistema em que o Poder Executivo precisa do apoio de maioria de diversos partidos no Congresso para poder governar. Existem casos parecidos na Europa, mas a dispersão de siglas no Brasil seria única.
— Quando o presidente vai ao Congresso e negocia uma coalizão, ele vai receber apoio de alguns, e outros vão dizer: esse negócio aqui eu não toco. É uma negociação legítima. Acertando um programa de governo com o qual a coalizão vai colaborar e estabelecendo como vai colaborar, ela compartilha do poder de governo. Não é um ato de corrupção — diz Pereira.
Lula, Dilma e Temer
Nesse arranjo, os recursos de poder e financeiros devem ser divididos de forma proporcional com os parceiros, e a coalizão precisa espelhar a preferência mediana do Congresso. Segundo o cientista político, o problema ocorre quando partidos não conseguem modular o tamanho e o equilíbrio do arco de alianças:
— Não construir uma coalizão majoritária em um presidencialismo multipartidário é o mesmo que se recusar a governar. O sistema político brasileiro necessita de um presidente que tenha capacidade de gerenciar uma coalizão majoritária, ideologicamente homogênea.
Segundo Pereira, Lula e Dilma erraram porque as coalizões eram grandes demais e heterogêneas ideologicamente, concentrando recursos no PT, sem espelhar a maioria do Congresso:
— Já Temer foi tão bom gerente de coalizão que sobreviveu a duas denúncias de corrupção da Procuradoria-Geral da República.
Para o cientista político, o que se chama de “toma lá dá cá” é negociação, e existe em qualquer democracia. O que pode ser saudável ou não são os termos de troca. Ao ofender uma suposta “velha política”, Bolsonaro acaba atingindo até os integrantes de seu partido, diz o líder do PSL na Câmara dos Deputados, Delegado Waldir (GO).
— Acho um grande equívoco qualquer pessoa, seja o presidente da República ou o líder do governo, tratar de “velha” e “nova” política. Somos todos eleitos pelo povo. Isso é uma espécie de bullying político.
Em entrevista no início do ano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contou como operava a coalizão durante seus dois mandatos e alertou: quem não dá atenção ao Parlamento pode sofrer consequências graves.
— Os presidentes que não deram atenção ao Congresso em geral sofreram impeachment. O Congresso dá o troco. É difícil. Tentei criar um conselho de presidentes de partidos, mas não funcionou, então tinha reunião com líderes. Eles trazem as demandas do Congresso ao presidente, e, muito menos, levam a posição do governo aos comandados.
O líder do PDT na Câmara dos Deputados, André Figueiredo (CE), sugere que Bolsonaro crie, também, um conselho que se encontre periodicamente no Palácio do Planalto.
— Não tem essa história de que tudo que se negocia com o Congresso é em cima de propina e benesses indevidas. Bolsonaro era um deputado que pouco dialogava com os pares. O que não pode é ficar mandando recado (para Rodrigo Maia, presidente da Câmara) em rede social, isso é inimaginável para um presidente.
Para Carlos Melo, cientista político do Insper, o termo “velha política” é um clichê que carece de definição. O problema, diz ele, não é a política em si, mas se apropriar de um bem público para um fim privado. Ele cita o caso do ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que disse que queria “aquela diretoria que fura poço e acha petróleo” para um indicado seu em 2005, se referindo à Petrobras.
Por outro lado, políticos e acadêmicos não veem sentido na estigmatização da liberação de emendas parlamentares ou de cargos para que os partidos que pertencem à coalizão possam participar do governo.
Corrupção ou chantagem são outra história completamente diferente, diz Miro Teixeira (Rede-RJ), ex-deputado e ex-ministro das Comunicações do governo Lula. Um exemplo de barganha que descambou para a corrupção, segundo ele, era a gestão de Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-presidente da Câmara que fazia “obstrução ao governo até que conseguisse alcançar seu objetivo pessoal”.
— Eu não concordo com a expressão “velha política”, porque a política é íntegra, é honrada. O que tem são políticos que a desqualificam.
Ele cita como exemplo o caso de Collor:
— Começou a cooptar deputados e, quando fez maioria absoluta, foi deposto, porque não era uma relação sincera. Não era amor. Não havia interesse comum, havia ambições — define Miro Teixeira.
Fonte: “O Globo”