O decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff que cria mecanismos de participação social, publicado na segunda-feira e questionado pela oposição, não estava previsto nas diretrizes do governo, divulgadas quando Dilma ainda era candidata ao Planalto. O primeiro dos “13 compromissos programáticos de Dilma Rousseff”, que sugere o fortalecimento da democracia, não trata da expansão de conselhos consultivos por dentro da máquina estatal. Pelo contrário, só cita o “incentivo à participação popular” para a realização de uma reforma política, que ainda assim se daria em “amplo diálogo entre a sociedade e suas organizações por meio do Congresso Nacional”. E é justamente o Congresso que fica enfraquecido e sobreposto, segundo críticos do decreto, que também afirmam que os conselhos que já existem sofrem aparelhamento político.
Ex-presidente Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior participou de conselhos municipais e estaduais, além do CNS, que presidiu por quatro anos e onde foi membro da mesa diretora por sete anos. Ele nega que o decreto 8243/2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS), engesse o governo, mas cita como empecilhos o aparelhamento político e falhas de execução:
— Não cabe o discurso de engessamento de governo. Mas o fato de haver a política não significa necessariamente que as coisas devem acontecer de acordo como preconiza a política, o texto original. O SUS é política de Estado, tem uma legislação que é talvez a mais avançada do mundo. No entanto, o SUS é uma colcha de retalhos — afirmou Batista, que se diz desiludido e criticou o aparelhamento político do CNS desde a gestão de Alexandre Padilha à frente do Ministério da Saúde.
Mário Scheffer, professor da USP e ex-conselheiro do CNS por cinco anos, lembra que já há conselhos em quase todas as instâncias. Ele defende que o mais adequado seria valorizá-los, em vez de propor a criação de outros. Scheffer critica o aparelhamento político desses colegiados.
— Não faltam conselhos, eles existem em quase todas as instâncias. O Conselho Nacional de Saúde existe desde 1990, mas não é respeitado. Esses conselhos foram cooptados, encurralados pelo governo. Não cumprem o papel de fiscalizar e propor alternativas. São espaços onde o governo exerce muita influência, são subservientes à agenda do governo e formados por corporações e pessoas majoritariamente alinhadas a ele. Acho adequado criar novas formas, mas é preciso olhar para o que já existe, e o que vemos é o aparelhamento. Me parece ser somente uma questão de retórica. Não me parece ter sido isso que os movimentos sociais pediram — disse Scheffer.
Oposição quer votar anulação do decreto
Parlamentares do governo e da oposição se desentendem sobre o decreto de Dilma Rousseff. A deputada Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra dos Direitos Humanos, elogia a iniciativa. Ela nega que o cidadão que não é sindicalizado ou filiado a ONGs ficará alijado do processo de decisão, e fala que a PNPS destrava amarras burocráticas.
— A atuação do Estado brasileiro é toda permeada pela interação entre Estado e sociedade civil. Considero uma medida muito importante. Os conselhos populares já estão consolidados. Só o Brasil tem esse sistema nacional de participação. Muitos países nos visitam por isso — afirmou Rosário.
O líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), disse que vai insistir com o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), para que inclua na pauta desta semana, a do esforço concentrado antes da Copa, o Projeto de Decreto Legislativo que revoga o decreto de Dilma, que cria uma superestrutura de consulta popular dentro do governo federal.
Para o presidente nacional do DEM, senador José Agripino Maia (RN), o decreto da presidente Dilma lembra as ações do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.
— É uma atitude demagógica, pré-eleitoral — disse Maia.
O líder do PT na Câmara, deputado Vicentinho (SP), defendeu o decreto de Dilma. Para ele, esse tipo de conselho popular fazem parte da democracia.
— Essa iniciativa do DEM de querer derrubar o decreto da presidente Dilma é contra os movimentos populares. O decreto fortalece o direito de todos participarem, o que é natural na democracia — disse Vicentinho, ex-presidente da CUT.
O líder do PSDB na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA), criticou ontem o decreto e defendeu a revogação.
— É a atitude de um governo que está sem rumo. Esse tipo de medida está fora de sintonia com o que a sociedade deseja — disse Imbassahy.
Fonte: O Globo.
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