BRASÍLIA – A Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara publicou nota técnica com uma proposta de mudança no teto de gastos da União, a regra que limita o crescimento da despesa à inflação e que está no centro do debate econômico no Brasil depois da pandemia da covid-19.
A proposta passa a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto em vez de toda a despesa com o pagamento de benefícios, similar ao modelo fiscal alemão, que considera nos limites orçamentários apenas recursos retirados da sociedade para sua cobertura.
As projeções apresentadas pelos três autores da proposta apontam um novo espaço para as demais despesas do governo, que hoje estão cada vez mais comprimidas, especialmente pelo avanço dos gastos obrigatórios de Previdência e folha de pessoal. O espaço fiscal dessas despesas seria, em 2022, superior a R$ 40 bilhões em relação à regra atual, passando de R$ 407,5 bilhões (4,60% do Produto Interno Bruto em vez de R$ 447 bilhões (5,05% do PIB).
Por trás da proposta, está a avaliação de que o teto é uma regra fiscal fundamental para as contas públicas, mas precisa de ajustes para se tornar viável nos próximos anos. “Não está correto que uma despesa, que sabidamente cresce mais do que a inflação, seja colocada dentro do teto definitivamente”, diz Ricardo Volpe um dos autores da proposta ao lado dos consultores legislativos Túlio Cambraia e Eugênio Greggianin.
Ajuste
Segundo Volpe, não se trata de uma margem para gastar mais, mas uma saída para manter o nível de despesas não obrigatórias atual (como investimentos), que já é muito baixo e a cada ano fica menor. O consultor explica que é um mecanismo de ajuste para impedir que a compressão das despesas não obrigatórias chegue a um nível insustentável para o funcionamento da máquina administrativa (como manutenção de rodovias, bolsas de estudo e confecção de passaporte). Para ele, a proposta é simples, pontual e com boa comunicação tem todas as condições de ser recebida positivamente pelos agentes de mercado.
Os números apontam que, mantida a regra atual, as demais despesas chegariam em 2026 em 2,80% do PIB, patamar irreal para o funcionamento da máquina pública. Em 2016, quando a emenda do teto foi aprovada essas despesas estavam em 7,03% do PIB.
A expectativa é que a nota possa ser discutida ao longo de 2021. A proposta já vinha sendo estudada antes mesmo da pandemia. Muitos parlamentares têm defendido a mudança no teto, mas a equipe econômica vem se posicionando enfática em manter a regra sem mudanças.
Os autores destacam que, apesar da importância do teto, não significa que ele não tenha deficiências na forma que foi implementado no Brasil e que não possa ser aperfeiçoado com as devidas cautelas, o que aumentará sua credibilidade.
Para os consultores, a reforma da Previdência, aprovada no fim de 2019 com o propósito principal de reduzir o déficit previdenciário, pode apresentar ganhos que devem ser aproveitados pelo poder público. A possibilidade de elevar as despesas em virtude da redução do ritmo de crescimento do déficit dos regimes de Previdência permitirá ao governo maior liberdade de atuação para alavancar a economia.
Na época da tramitação da emenda do teto, em 2016, já se sabia que a regra se tornaria de difícil cumprimento. O atraso na aprovação da reforma da Previdência, que se esperava para aquele ano, só piorou o problema. Uma proposta chegou a ser discutida de garantir após os primeiros anos de vigência da regra uma correção do limite do teto com metade do crescimento do PIB. Ou seja, se o PIB crescesse 1%, o teto seria corrigido em 0,5%. Mas o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles não aceitou com o temor de que o instrumento de correção se transformasse na regra geral durante a votação.
Volpe destaca que as despesas com o pagamento dos benefícios da Previdência, o maior gasto do governo, já passaram pela reforma. Para ele, o governo, com o modelo proposto, poderá atuar melhor na eficiência da arrecadação previdenciária para diminuir o déficit. O consultor avalia que as despesas com a Previdência vão sempre ter crescimento real porque a população vai envelhecer e mais gente se aposentará.
Fonte: “Estadão”, 07/01/2021
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