Apesar do ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter afirmado que não foram realizadas “manobras fiscais” para ter sido alcançada a meta do superávit primário de 2013, outras estratégias foram colocadas em prática. O governo federal deixou na boca do caixa, mas não pagou, cerca de R$ 51,3 bilhões. O valor equivale à estimativa de restos a pagar processados que devem ser inscritos e reinscritos em 2014. Os restos a pagar processados representam as despesas públicas liquidadas, ou seja, nas quais o serviço que deu origem a esse gasto já foi efetuado e reconhecido pelo ordenador de despesas, faltando, apenas, o desembolso efetivo do dinheiro (pagamento).
Desde 2009 o montante de RAP processados estava praticamente constante, na casa dos R$ 25 bilhões. De 2013 para 2014, a previsão, no entanto, deu um salto. O total dessa categoria de despesa no ano passado foi de R$ 26,3 bilhões. O valor é R$ 25 bilhões menor do que este ano. Os recursos ficaram literalmente na boca do caixa.
Para Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas do IPEA, o aumento nos valores de restos a pagar processados demonstram que além do atraso na liquidação de gastos (RAP não processados), o governo também segurou o pagamento de despesas liquidadas, o que pode ter relação com o alcance da meta do superávit primário.
“Se [o aumento] por um lado ajuda 2013, prejudica ainda mais o ano de 2014. O governo criou para si próprio uma nova amarra para este exercício. Os valores demonstram uma situação de desespero do governo, apesar do comportamento fantástico das despesas extraordinárias no superávit primário”, explica Mansueto.
Na semana passada, Guido Mantega, anunciou que o governo central teve um superávit primário de cerca de R$ 14 bilhões em dezembro, o que resultou em uma economia de cerca de R$ 75 bilhões em 2013, acima da meta do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) para o ano passado, de R$ 73 bilhões. Para cumprir a meta do ano, o governo contou com um reforço de mais de R$ 35 bilhões em receitas não recorrentes — R$ 15 bilhões arrecadados com a concessão do poço de Libra, no pré-sal, e mais de R$ 20 bilhões em programas de recuperação de dívidas tributárias.
O Contas Abertas questionou o Ministério da Fazenda sobre o crescimento de restos a pagar processados para 2014 e sua provável influência no resultado do superávit primário, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta. A Pasta também foi questionada sobre o fato da movimentação ser considerada uma “manobra”, o que também ficou sem resposta. Os restos a pagar não processados inscritos (ou seja, despesas apenas empenhadas em 2013) atingiram o valor de R$ 180,7 bilhões em 2014, o que aumenta o total dos restos a pagar (somando processados e não processados) para R$ 232,016 bilhões, um recorde histórico.
Essa posição é de segunda-feira (6) e poderá ser alterada até o fim de janeiro. O total de restos a pagar inscritos no ano passado foi de R$ 176,677 bilhões – assim, o aumento, até agora, foi de R$ 55,339 bilhões.
Por órgão
O principal responsável pelo aumento nos valores de restos a pagar processado foi o Ministério da Fazenda. Em 2013, foram inscritos e reinscritos nessa categoria de despesas R$ 1,2 bilhões contra os R$ 10,5 bilhões este ano. O aumento do montante desta Pasta foi de quase 800%. A maior parcela dos recursos será inscrita em ações de equalização de juros no programa “Agropecuária sustentável, abastecimento e comercialização”.
O segundo lugar no ranking de crescimento dos RAP processados foi o Ministério das Cidades: R$ 5,8 bilhões devem ser inscritos e reinscritos em 2014. O valor é mais de 2.000% maior do que os R$ 242,8 milhões “virados” em 2013. No caso das Cidades, o programa “Minha Casa, Minha Vida” que não teve os pagamentos realizados, apesar das despesas estarem liquidadas. Cerca de R$ 5,6 bilhões devem ser incorporados como restos a pagar da rubrica neste exercício. Já o volume de RAP processados do Ministério da Defesa deverá chegar a R$ 2,7 bilhões.
As ações de “construção de submarinos convencionais” e “implantação de estaleiro e base para a construção e manutenção de submarinos convencionais e nucleares”, integrantes do programa “Política Nacional de Defesa” e tocadas pela construtora Odebrecht, são responsáveis por R$ 671,3 milhões e R$ 433 milhões, respectivamente. O Ministério da Educação, por sua vez, poderá contar com cerca de R$ 2,9 bilhões em restos a pagar processados em 2014. O atraso nos pagamentos aconteceu principalmente na “Concessão de Financiamento Estudantil (FIES)” (R$ 687,5 milhões). Outros R$ 418,5 milhões devem ser contabilizados em restos a pagar processados para a ação “Infraestrutura para Educação Básica”, R$ 333,5 milhões para “Implantação de escolas para educação infantil”, e, R$ 200,9 milhões para o programa “Caminho da Escola”.
Ao “Valor”
Ao jornal “Valor Econômico”, o Tesouro Nacional confirmou que “houve efetivamente” um valor maior da inscrição de restos a pagar processados de 2013 para 2014, mas informou que ainda está verificando o que ocorreu, pois os dados sobre a postergação dessas despesas ainda não foram fechados. Confirmou também as emissões de ordens bancárias nos últimos dias do ano passado, mas explicou que não houve qualquer mudança de procedimento em relação a anos anteriores.
O Tesouro observou ainda que tanto o aumento da postergação de despesas como o pagamento de investimentos nos últimos dias do ano não foram feitos com o objetivo de elevar o superávit primário de 2013.
Postergando pagamentos
Na última sexta-feira (3), o Contas Abertas publicou reportagem que mostrava outra manobra orçamentária do governo para melhorar o resultado do superávit primário de 2013. Foram postergados até os últimos dias do ano os pagamentos para obras e para a compra de equipamentos.
Entre sábado (28) e terça-feira (31), foram aplicados R$ 4,1 bilhões pela União. O montante equivale ao dobro do que foi investido até o dia 27 de dezembro: R$ 2 bilhões. O valor pago para investimentos nos últimos quatro dias do ano é também superior a todo o montante pago no mês de novembro (R$ 3,3 bilhões).
Para o especialista em finanças publicas da Consultoria Tendências, Felipe Salto, o motivo desse acúmulo de pagamentos ao apagar das luzes de 2013 é claro.
“A execução desses investimentos apenas nos últimos dias do ano passado, está calçada no fato de que as ordens bancárias devem ser sacadas apenas este ano, ou seja, devem afetar somente o resultado fiscal de janeiro 2014 e não os de dezembro de 2013. Foi uma estratégia proposital do governo federal”, explica.
De acordo com Salto, o fato é grave porque demonstra que ao contrário do que o ministro da Fazenda, Guido Mantega vem dizendo, existem manobras para produzir o resultado fiscal esperado. “Isto é, havia o receio de mesmo as receitas elevadas não serem suficientes para que fossem arrecadados os R$ 10,6 bilhões que faltavam para a meta de R$ 73 bilhões de superávit primário (do governo central) estipulada na LDO”, aponta o especialista.
Fonte: Contas Abertas
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