A quem interessa a existência da política de conteúdo local? Deve-se admitir a hipótese de que companhias vencedoras de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás sejam compelidas a adquirir equipamentos de preço superior e qualidade inferior? Seria esta uma obrigatoriedade legítima?
A política em questão é regulamentada por resoluções da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). O referido órgão regulador das atividades do setor de petróleo e gás estabeleceu, a partir do ano de 2003, a exigência de utilização de percentual mínimo de itens fabricados pela indústria brasileira na construção dos bens indispensáveis à indústria petrolífera, como, por exemplo: plataformas, sondas e navios. A ideia pode soar sensata e patriótica, mas, definitivamente, não é.
Trata-se de considerável primazia conferida às companhias domésticas na disputa travada com concorrentes estrangeiras pela conquista de mercado. As empresas que não comprovam o emprego do percentual mínimo de peças nacionais na composição dos bens acima arrolados são submetidas ao pagamento de severas multas.
Ao preterir, em determinadas ocasiões, uma das mais elementares lógicas de mercado, qual seja: equipamentos detentores de qualidade superior e preço inferior são mais atrativos e devem prevalecer em relação aos demais, o poder público parece “jogar para a torcida”, ou mais precisamente, para o eleitorado.
No intuito de fomentar a expansão de nosso parque industrial através de uma legislação protetiva às empresas brasileiras, estabeleceu-se uma dinâmica que, por vezes, privilegia produtos mais onerosos ao erário, como, por exemplo, nos casos em que a Petrobras se faz presente como contratante, por ser esta uma sociedade de economia mista. Tal sistema atende, de fato, aos interesses nacionais?
Ao impor excessivas regras ao setor de óleo e gás, o Estado brasileiro contemporâneo reproduz, fielmente, a mentalidade centralizadora e intervencionista do ex-presidente Getúlio Vargas e do regime militar.
A mensagem transmitida pelo poder público à sociedade é de que a manutenção de postos de trabalho no Brasil e o desenvolvimento da indústria doméstica compensam os baixos padrões de eficiência e competitividade que imperam em nosso país. Apregoa-se que, em nome da conquista de “objetivos estratégicos”, empresas brasileiras devem gozar de diversas benesses em relação às concorrentes estrangeiras.
Criou-se no Brasil, por meio deste arcabouço regulatório, um sistema que dificulta o progresso tecnológico e engessa a competitividade empresarial. Ao refletir sobre isso, recordei-me da clássica frase do pensador Adam Smith: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração de seus próprios interesses” e até da sabedoria popular caipira: “O sapo não pula por boniteza, mas por precisão”.
[su_quote]A mensagem transmitida pelo poder público à sociedade é de que a manutenção de postos de trabalho no Brasil e o desenvolvimento da indústria doméstica compensam os baixos padrões de eficiência e competitividade que imperam em nosso país[/su_quote]
Investimentos em pesquisa advêm da premente necessidade de as companhias produzirem produtos e fornecerem serviços de qualidade superior em relação às concorrentes. Em suma, a lógica de mercado tem caráter eminentemente meritocrático: as empresas mais eficientes e produtivas tendem a expandir suas atividades, conquistando mercado em escala crescente. O ambiente competitivo, deste modo, torna-se o nascedouro do desenvolvimento. Parece bastante razoável, mas há quem não pense nesta linha.
Cabe aqui ressaltar que, ao longo dos anos, as rodadas de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás contiveram diferentes percentuais de exigência mínima de conteúdo local. O presente artigo limita-se, no entanto, a questionar a existência de tal medida protecionista que, no entendimento deste autor, viola flagrantemente a disposição do inciso IV, do artigo 170, da Carta Magna.
“Artigo 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
IV – livre concorrência;”
Quando a legislação privilegia determinadas companhias, sob qualquer pretexto não assentado na lógica de mercado, há grave suspeição permeando as práticas do poder público e consequente perda da confiança dos investidores.
A efetivação de outro princípio relativo à ordem econômica, o da busca do pleno emprego, consagrado pelo inciso VIII do supracitado artigo da Carta da República, se dá quando o Estado torna-se garantidor do ambiente favorável à atração de investimentos, provendo um sistema normativo confiável e previsível, assecuratório da segurança jurídica das relações empresariais e de trabalho.
Defendendo o cumprimento de contratos e a estabilidade institucional, o poder público cumpre, verdadeiramente, seu papel constitucional de guardião dos interesses da classe trabalhadora. A tentativa de se garantir a empregabilidade dos cidadãos através da concessão de benefícios setoriais é inócua e infrutífera a longo prazo.
A zona de influência do poder público é limitada, mas muitos representantes de nossa classe política ainda não se atentaram para este fato. Não há, citando apenas exemplos notórios, combate eficiente à inflação com congelamento de preços ou redução da taxa de juros através de medidas unilaterais oriundas do governo. Como se vê, nem tudo em um país pode ser resolvido por medidas palacianas ou pelas mentes “brilhantes” dos burocratas de plantão.
Medidas de reserva de mercado são imbuídas de forte caráter anacrônico e populista. É sabido que todas as políticas anteriores neste sentido nos legaram apenas isolamento comercial, produtos ineficientes e baixos índices de produtividade da mão de obra. A (questionável) lógica de proteção a postos de trabalho a todo custo pode gerar dividendos eleitorais, mas impede que a nação prospere verdadeiramente, tornando-se mais competitiva no cenário econômico global.
Enquanto prosseguimos em nossa jornada isolacionista, contemplamos o crescimento da participação de diversos países no comércio internacional. O caso mais notório é o da China. O gigante asiático superou, no ano passado, os EUA como maior parceiro comercial do mundo. De acordo com dados divulgados há alguns dias pela Agência de Administração Aduaneira da China, o montante total das importações e exportações do país em 2013 atingiu impressionantes US$ 4,16 trilhões.
No ano passado, as atividades chinesas no mercado internacional cresceram 7,6% em comparação ao ano de 2012, fazendo com que mais de 10% dos produtos comercializados no planeta tenham destino ou origem no país. Há uma década, esse percentual era inferior a 5%. Ainda segundo a agência chinesa, as exportações do país em 2013 subiram 7,9% em relação ao ano anterior, atingindo US$ 2,21 trilhões e as importações chegaram a US$ 1,95 trilhão, experimentando elevação de 7,3% em relação ao ano de 2012.
As sociedades de China e Coreia do Sul, dentre outras, vivem os benefícios de uma era de crescimento econômico robusto e sustentável, trazida por políticas de ampla abertura comercial e do consequente aumento da participação de seus países na atividade econômica global. Já o Brasil, segue em direção oposta.
Conclui-se, considerando todo o exposto nas linhas supra, que a onipresença estatal no ambiente de negócios de um país atenta severamente contra a competitividade deste. Depreende-se, ainda, que o favorecimento regulatório concedido às empresas brasileiras é carecedor de legitimidade e resguardo no texto constitucional, representando, de modo inequívoco, violação expressa a este, no que tange ao princípio da livre concorrência.
Quando o diagnóstico está equivocado, o tratamento jamais produzirá os efeitos esperados e o doente permanecerá na mesma condição, ou terá seu quadro agravado. O paciente em questão é a economia brasileira e o devido remédio a ser (urgentemente) ministrado é a livre e irrestrita competição de mercado.
A propósito, sugere-se à equipe econômica do governo brasileiro que se inspire no estilo consagrado pelo cantor João Gilberto, a saber: minimalista e eficiente.
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